Caminhava apressado pelas ruas do centro da cidade. Apertadas, como toda rua antiga que se preze; e cheias de gente, como todas as ruas logo após as seis da tarde. No meio daquela mixórdia de gentes e carros e semáforos e buzinas e “dá licenças”, encontrou um vendedor de rosas.
“Boa noite. Eu quero meia-dúzia, por favor.”
“Boa noite. Vou ficar devendo a embalagem pro senhor, tem problema?”
“Não. Nenhum. Eu levo assim mesmo.”
"Doze Reais."
"Toma quinze, fica com o troco."
“Obrigado. E cuidado com os espinhos, podem machucar!”
“Tá bom, eu tomo cuidado. Obrigado. Até mais.”
Seguiu caminho e, mesmo segurando as rosas com cuidado, elas ainda lhe furavam os dedos. Olhava o relógio e pensava: “É, não vai ser bom chegar atrasado e ainda oferecer espinhos para a patroa. Logo encontro uma papelaria e tudo se resolve.”
Enquanto andava e vasculhava apresado as vitrines e placas dos estabelecimentos todos, sem ver papelaria alguma, ouviu aquela voz pequena:
“Hummm, vai levar flores pra namorada!”
Freou. Olhou ao seu lado, uma mulher lhe sorria meio encabulada. Mas foi ao olhar para baixo que encontrou a dona da voz, uma garotinha de uns 7 anos de idade.
“Não vai?” – insistiu a garotinha.
“É, eu vou sim. Mas, ó, essa aqui é pra você!”
E, estendendo uma das rosas para a pequena, completou:
“Mas, cuidado! Tem espinhos, tá?”
A garotinha aceitou, envergonhada, e cuidadosamente acolheu a rosa em suas mãos pequenas, ao mesmo tempo que, sem saber o que fazer, olhava para sua mãe, esperando alguma ajuda. A mãe agradeceu, sorrindo, surpresa com o inusitado acontecimento, o que foi prontamente imitado pela criança.
Mas o tempo urge, e não há sorrisos que o façam parar. Despediram-se todos e saíram daquele pequeno e instantâneo universo cordial, seguindo cada qual para o seu lado.
Depois de, finalmente, conseguir embalar o restante das rosas com um jornal todo escrito em japonês – foi o melhor que conseguiu –, chegou em tempo para o encontro. Tudo havia se resolvido por aquela noite.
Por muito tempo assim ficou.
Uma década mais tarde, estava o mesmo rapaz, agora já um jovem senhor, sentado num banco de praça, fumando seu charuto e rindo da vida, quando chega uma jovem moça que diz:
“Oi... licença...”
“Pois não.”
“Foi você, não foi?... Você, há uns dez anos atrás, me deu uma rosa, não foi?”
“Ora, então você é aquela garotinha? Que surpresa! Fui eu sim, mas... Como que você me reconheceu?”
“Eu nunca me esqueci do seu rosto. E dessa cicatriz que você tem no pescoço.”
“É, ela tem uma boa história, vai até peito... mas... mas deixa pra lá! Acidente de percurso. E como vão as coisas com você? E sua m”
Mal teve ele tempo de terminar a frase e já sentiu um grande e ardido tapa no rosto.
“O que é isso?! O que você tá fazendo?!” – assustado, indaga a garota.
“Eu me machuquei com aquela rosa!”
“Mas eu te avisei dos espinhos!”
E já estava falando pras costas da garota, que ia embora sem olhar pra trás. Insistiu, levantando e gritando:
“Eu te avisei! Eu avisei que teria espinhos!”
...............
Ps: Conto escrito especialmente para o lançamento do site Nego Dito, sob o título de "Dos conselhos que insistimos em não seguir".