terça-feira, 25 de novembro de 2014

Livro : Moby Dick [1851, Herman Melville]

ou "As Aventuras de Herman, o Marinheiro".



Herman já tinha sido bancário, professor e fazendeiro, tudo para ajudar sua mãe e sete irmãos a não passarem muito aperto depois que o pai morreu. Um dia resolve ser marinheiro e, à bordo vários navios, vive muitas aventuras pelo oceano pacífico, participa de motins e chega até mesmo a viver alguns meses com a tribo de canibais Typee, das Ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa. (um pouco mais sobre as Ilhas Marquesas)

Em 1844 abandona a vida de homem do mar. Casa-se, em 1847, com Elizabeth e aproveita a bagagem cheia de histórias para escrever alguns livros, que foram grandes sucessos na segunda metade dos anos de 1840, o que garantiu a Herman e sua família algum status e conforto.


As Ilhas Marquesas. Aí até eu, heim Herman!

Apesar de parecer, o Herman de quem falamos não é um personagem fictício, ele é o escritor norte-americano Herman Melville, que em 1851, escreveu Moby Dick, ou A Baleia. O livro, publicado em três fascículos, foi um fracasso na época e levou nosso amigo Herman ao ostracismo. Quando ele faleceu, em 28 de setembro de 1891, há exatos 117 anos atrás, o obituário do New York Times registrava o nome de Henry Melville e ninguém se importou, de tão apagada estava sua fama.

Entretanto, o maior fracasso de critica e público de Herman Melville é o livro pelo qual ele é mais lembrado hoje em dia. O romance Moby Dick conta a história do jovem Ismael que, decidido a trabalhar na marinha mercante embarca no Pequod, navio baleeiro do capitão Ahab e o desenrolar da história transforma o livro numa obra de arte, que eu, sem titubear, coloco entre os 10 melhores livros da minha lista pessoal.

Talvez as divagações de Ismael (personagem narrador do livro), as significações metafóricas de cada personagem e o viés psicológico que permeia todo o texto, tenham deixado o pessoal de 1851 – ainda não apresentado à Psicanálise, pois Freud nasceria apenas em 1856 – bastante entediado e por fora do assunto. O desinteresse causado pela distância entre a obra e o público pode explicar o grande fracasso, naquela época, de um livro tão interessante e tão bem escrito que é, nos dias de hoje, um marco na literatura ocidental.


Arte para a capa e contra-capa da primeira edição de Moby Dick.

A riqueza de detalhes sobre barcos, métodos de pesca de baleias e curiosidades marítimas em geral, escrito com total domínio de causa – já que, como dito antes, Melville passou anos de sua vida trabalhando na marinha mercante dos Estados Unidos –, somada com a atemporariedade do tema, cria uma relação de credibilidade entre o autor e o leitor, que se torna sedento por cada nova página de Moby Dick.

A vontade doente de vingança do Capitão Ahab; a tripulação alucinada que entra na onda do chefe, colocando em risco a própria vida; as opiniões de Ismael, que dentre todos é o mais bem nutrido de razão, tudo isso se apodera do leitor e o leva junto à caça daquele feroz diabo branco, que pode ser uma simples baleia albina, ou o símbolo das mais variadas obsessões humanas. E cabe ao leitor, munido da sua própria história de vida, decidir quem é  quem.





Originalmente publicado no Culturanja de 3 de outubro de 2008.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Publicando um livro : o caminho das pedras


Publiquei o meu primeiro livro no início do mês de outubro. Fiz de maneira independente e aproveitei para aprender o máximo possível sobre todas as etapas do processo que dá origem a este objeto pelo qual sou apaixonado: o livro. As etapas não são muitas e nem muito difíceis, mas demandam atenção e carinho, para que o livro, ao final, não seja só um compêndio de textos, mas também seja um objeto bonito e agradável de se manusear, otimizando a experiência do leitor.

Publicar um livro de forma independente não é novidade. Em 1918, Monteiro Lobato financiou do próprio bolso e publicou seu primeiro livro "Sacy Pererê - O resultado de um inquérito"; em 1930, Carlos Drummond Andrade segue a mesma técnica e publica o "Alguma Poesia"; até mesmo o ícone do rock, o americano Jim Morrison, em 1969 'dá a luz' aos dois volumes de poesia "The Lords / Notes on Vision" e "The New Creatures", de forma independente.

Havendo esse respaldo histórico todo, não tive motivos para ter medo e segui o meu projeto. Inclusive, gostei tanto da experiência e já estou iniciando os preparativos para uma próxima publicação. Em tempo, quero lembrar que publicar um livro de forma independente nem sempre significa publicá-lo sozinho. Considere uma equipe, mesmo que mínima, para opinar e, talvez, até mesmo colocar a mão na massa, diagramando, ilustrando, revisando, editando... Enfim, durante o seu processo, você sentirá onde precisará de ajuda. E não tenha dúvidas de que precisará.

Durante minha saga, que da seleção final dos poemas até a aprovação final da arte para a gráfica durou um ano completo, perguntei pra muitos amigos e pesquisei em vários tutoriais sobre como dar cada passo e, da mesma forma, depois do lançamento, muitos amigos vieram me perguntar sobre como eu fiz. Portanto, nada mais justo do que fazer esse texto, no qual explico passo a passo, de forma rápida (juro que tentei ser objetivo) o caminho das pedras para se publicar um livro.

Boa sorte a todos.


1. O Texto
Antes de tudo é necessário ter um texto finalizado e revisado. É importantíssimo que esse texto esteja revisado, e para tanto, sugiro que, além de você e um revisor oficial (alguém que realmente entenda do português), escolha uns outros dois ou três amigos que gostem de ler para opinar sobre o texto e também ajudar na revisão.

Nunca confie apenas nos seus olhos de águia (no meu caso então, de águia miope, pior ainda!), pois durante as centenas de vezes que você já releu o seu texto enquanto o estava escrevendo, o costume, o cansaço, a interferência do que está na sua cabeça sobre o que realmente está no papel, pode facilitar para que erros simples de português, pontuação, concordância, etc passem sem que você perceba. Além do que, uma outra pessoa lendo o texto, pode indicar partes dele que não estão transmitindo a mensagem da forma que você imaginou. Não seja preciosista, mude o que tiver que ser mudado, melhore o seu texto para que o leitor o aproveite melhor.


2. Registro na Biblioteca Nacional
Com o seu texto devidamente revisado, é só seguir as instruções que estão bem detalhadas no site da Biblioteca Nacional e registrá-lo como seu. Resumidamente são: pagar a Guia de Recolhimento da União (GRU); imprimir uma cópia do texto com todas as páginas numeradas, rubricadas pelo autor e com índice; providenciar fotocópia dos seus documentos pessoais e comprovante de endereço; preencher o formulário de registro de obra e enviar tudo isso para o Escritório da Biblioteca Nacional mais próximo de você. E lembre-se, mantenha sempre uma outra cópia dos seu texto com você, pois a Biblioteca Nacional retém e arquiva permanentemente a cópia que você enviou para eles. A confirmação de registro demora até 90 dias pra chegar, por correio, até você. Então, não se desespere.

Esse passo, apesar de não ser obrigatório, é altamente recomendado. Pois, mesmo sendo o registro do texto na Biblioteca Nacional mero indício de prova de propriedade intelectual, ou seja, pode ser questionada à qualquer momento, ele é um argumento a mais, uma prova da sua autoria, com fé pública, a ser usada em algum processo de plágio ou coisas do gênero.


3. Capa e Diagramação
Agora é a hora de deixar o seu livro bonito, criar uma capa bonita, criativa, convidativa e deixar o texto com uma cara boa, gostoso de se ler. Contrate alguém de bom gosto para diagramá-lo (no meu caso foi a Letícia Junqueira, designer e escritora), troque uma idéia sobre o conceito estético que você procura, sobre a sensação que você quer passar para o leitor. Caso você entenda do assunto, vai com fé e faça você mesmo, entretanto, recomendo ter sempre um time de opinadores, para sugerir algumas alterações e melhorias que você, fechado no seu próprio universo, certamente não iria perceber.

Sugiro a diagramção para os formatos digitais como e-Books: Kindle, Kobo, LEV, iBooks Apple Store, ou ainda algum mais genérico, como o E-pub, e até mesmo fazer uma versão em PDF, aproveitando a diagramação para o livro impresso. Para cada e-reader existe um estilo diferente de diagramação e publicação, com tutoriais específicos, mas é só visitar os links que coloquei ali em cima, se informar e mãos à obra! Quanto mais formatos, mais alcance terá a sua obra publicada.

Essa parte, provavelmente vai ser a mais demorada e trabalhosa. Não desanime.


4. ISBN e Prefíxo Editorial
O ISBN é um número mundial de identificação de livros. Ele é aquele código de barras que fica na contracapa e vai ajudar na hora de você colocá-lo à venda em qualquer livraria do mundo. Para pedir o ISBN você precisa de duas coisas: ter um prefixo editorial e ter a folha de rosto do livro.

O prefixo editorial é um número que identifica você (pessoa física ou jurídica) como um editor de livros, e é um dos custos mais altos dessa parte burocrática, mas você só o faz uma vez. Depois é só usá-lo para pedir o ISBN para suas outras obras, vinculando todas elas ao seu prefixo editorial.

Acessando site do ISBN, você poderá tirar mais dúvidas. Ao cadastrar o seu prefixo editorial, necessariamente terá que pedir um ISBN para o seu livro, gerar a GRU e pagá-la, senão o atendimento não será válido. Confira a tabela de preços do ISBN. Todo o atendimento é feito através de um formulário online, sem a necessidade de impressão ou envio de quaisquer documentos pelo correio. Você também pode escolher receber o ISBN no formato digital, em fotolito impresso ou nos dois. Aí vai depender do que o seu diagramador preferir.


5. Ficha Catalográfica
A ficha catalográfica é um descritivo que contém os dados bibliográficos da obra, que auxilia a sua identificação dentro de um acervo ou biblioteca. Eu (e pelo jeito muita gente) sempre achei que ela viria junto com o código de barras do ISBN. Mas, não, ela não vêm. A ficha catalográfica é feito por um bibliotecário devidamente cadastrado no CRB (Conselho Regional de Biblioteconomia) ou por alguma associação, como a Câmara Brasileira do Livro, que cobra um preço meio salgado pra fazer o serviço, por isso contratei a Janaína Ramos, bibliotecária, que confeccionou a minha ficha catalográfica por um preço muito mais justo.

O Bibliotecário irá pedir todos os dados técnicos da obra: nome da editora, nome do autor, local de publicação, numeração de páginas, dimensões físicas, primeiro capítulo, sumário, ISBN e etc. É por isso que é melhor pedir a ficha catalográfica quando a diagramação já estiver na reta final, para que se tenha a numeração correta das páginas, por exemplo.


6. Fechamento da Diagramação e Revisão Final
Depois dessa bela maratona burocrática, alguns bons merréis investidos, você está bem perto de publicar o seu livro. Agora que todos os elementos já estão em suas mãos, é só terminar a diagramação, dar a última revisão ortográfica (que nunca é demais), inserir uma página de créditos com o nome de todos que trabalharam nesta edição do livro, incluir a ficha catalográfica nessa página de créditos e aprovar a versão final da diagramação.


7. Impressão
Com a versão final da diagramação em mãos, você pode pedir orçamentos para diversas gráficas, negociando o tipo de papel pro miolo e pra capa e um monte de formas de impressão, encadernação e acabamento. Cada elemento pode baratear ou encarecer o livro, então tente equalizar as idéias do diagramador com as suas, peça dicas para o pessoal da gráfica e chegue num consenso sobre o melhor custo/benefício para você.


8. Lançamento, Divulgação e Vendas.
A emoção de ver os seus livros impressos, na sua frente, é indescritível. Aí você percebe que todo o esforço valeu muito a pena. Então agora que você tem a versão impressa e todas as versões digitais devidamente diagramadas e no gatilho, é hora de pensar num evento de lançamento bem bacana, convidando os amigos, jornalistas, agitadores culturais, publico em geral e demais pessoas interessadas em literatura da sua rede de conhecidos.

Faça um site, um blog ou uma página no facebook, ou todos eles. Monte um press release do seu livro, com texto explicativo, foto e alguma outra informação necessária e envie para a imprensa. Pense sobre onde ele estará a venda, se é no seu blog, na livraria, na loja de discos ou na padaria de um amigo seu ou em todos esses lugares ao mesmo tempo. Enfim, pense num jeito de espalhar a novidade para o maior número de pessoas possíveis e num jeito de receber os pagamentos e entregar o produto para os seus recém conquistados fãs.


9. Depósito Legal
Esse é o ultimo passo, mas não menos importante. É quando você faz com que seu livro exista oficialmente na Literatura Brasileira. Por lei, todos os que publicam um livro devem enviar um exemplar para a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, para que ele seja arquivado entre todas as obras publicadas no Brasil, ajudando, assim, a registrar a produção literária do nosso País. O não envio dessa cópia pode gerar uma multa de 10 vezes o valor de mercado da obra.

Você encontra as instruções para o Depósito Legal no site da Biblioteca Nacional. Você pode enviar, o exemplar por correio, direto ao Rio de Janeiro, ou ao Escritório da Biblioteca Nacional mais próximo de você.


10. Siga em frente!
Pronto! Com seu livro lançado e todo o sistema de atendimento e divulgação funcionando, é hora de preparar o próximo texto e começar tudo de novo. Afinal, a natureza e vida já provaram que as maiores e melhores colheitas são pra quem nunca para de plantar.

 Bem vindo à vida de escritor profissional!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Livro : O Sacy Pererê [1918, Monteiro Lobato]



Saci-Pererê e Monteiro Lobato - o resultado de um encontro

A preocupação com a preservação da cultura e folclore nacionais não é nova. Em 1917, o grande Monteiro Lobato, criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, publicou uma pesquisa no Estadinho (apelido carinhoso da edição vespertina d’O Estado de São Paulo) e pediu para seus leitores lhe enviarem relatos de experiências com o Saci-Pererê. Para tanto era só enviar uma carta com o seguinte questionário respondido: Como o leitor havia descoberto o mito? Como é a crença nele nos dias atuais? E quais experiências passadas pessoalmente ou ouvidas o leitor poderia contar?

O resultado desta enquête foi o livro Saci-Pererê - O resultado de um inquérito, publicado no ano seguinte (1918), com quase 300 páginas cheias de histórias do endiabrado 'muleque perereca'. Alguns o descrevem como um demoniozinho feioso, alguns como um moleque sacana e perneta. Com gorro, com ou sem rabo, não importa, o que vale mesmo são as deliciosas histórias do tinhosinho sendo trazidas do esquecimento para a realidade. Este foi o primeiro livro de Monteiro Lobato, teve a tiragem inicial de dois mil exemplares, bancados pelo próprio autor, que assina o livro sob o pseudônimo de Um Demonólogo Amador. Para ajudar nas despesas o escritor colocou anúncios especialmente desenhados com o tema Saci-Pererê pelo cartunista João Paulo Lemmo Lemmi, também chamado de Voltolino.



Capa da edição original de 1918, a mesma da edição fac-similar de 1998. 
Em ambas o grande atrativo é a 'graphia' no português da época.


Primeira Guerra Mundial estava em seu ápice em 1918, e Lobato usa essa obra para questionar o conceito de civilização nos moldes franceses que as elites brasileiras insistiam em reproduzir. Ele demonstrava a necessidade de se aprofundar os estudos sobre as lendas, crendices e costumes brasileiros, para que pudéssemos conhecer mais sobre nossa cultura.

De conteúdo simples de se ler, com um tema apaixonante e uma linguagem que varia conforme o grau de instrução de quem escreve cada história, o livro é um prato cheio para quem procura bons momentos de conhecimento e prazer. Inclusive existem lindíssimas passagens escritas com a linguagem do matuto iletrado do interior, que são nada menos do que tesouros da nossa língua. Ainda mais se, assim como eu, você também ouvia essas histórias quando pequeno.

Inclusive esta obra, lançada antes do famoso Urupês, não constava na bibliografia oficial de Monteiro Lobato, que ironizou o fato de sua estréia literária ocorrer por meio de uma obra não-assinada, pois ele só organizou material de terceiros. Até que em 1998, a Fundação Banco do Brasil e a Odebrecht publicaram uma edição fac-similar, ou seja, idêntica à original, embelezada com a grafia do português da época, torna tudo muito mais saboroso. Foi uma edição de cinco mil exemplares para serem distribuídas à bibliotecas e está, infelizmente, fora do comércio há anos. Mas não fique triste, pois a Editora Globo, no início de 2008, publicou uma edição revisada e atualizada desta jóia do folclore nacional. Já com o português atualizado, tirando aquele charme extra e surpresas da leitura, mas o conteúdo está todo lá, sempre interessante. De qualquer forma, independente de qual versão você conseguir, não perca a chance e agarre o seu.



Capa da edicão de 2008, pela Editora Globo.





Ps: Leia aqui um fragmento do livro.


terça-feira, 4 de novembro de 2014

Saudades Sinceras

Estava em minha sala, no Consulado Brasileiro em Bruxelas, quando recebi, pelo telefone, a notícia de sua morte. Tranquei a porta, sentei-me ao sofá e chorei por alguns minutos. Parei quando fui interrompido pela copeira que me trazia o habitual café das 16:15. Assim que ela saiu, só me restou uma coisa a fazer. Uma carta. O dia estava lindo lá fora, céu azul e as primeiras flores da primavera mostravam suas lindas e renovadas cores. Transcrevi a carta neste diário.

"Bruxelas, um dia qualquer, um ano qualquer.

Espero que você tenha morrido bem. Uma morte decente, num lugar decente, em companhia decente. Que estivesse envolvida no carinho de uma família amorosa, que lhe desse orgulho e amparo. Luxo é supérfluo, mas o havendo, melhor ainda! Um lugar bonito, companhias bonitas, um leito belo a deslumbrar-lhe os olhos nas ultimas imagens que eles captaram.

Que seus últimos momentos de humanidade tenham sido repletos de satisfação, de boas recordações, da sensação de dever cumprido e não de uma amargura muda e dolorosa de ter sido uma partícula indiferente ao mundo, de não ter aprendido nem ensinado, de não ter méritos nem desabonos, de não ter pecado (nem que tenha sido um pouquinho só), enfim, de não ter usado e abusado da vida que estava, quisesse você ou não, totalmente em suas mãos.

Lembro-me que você tinha planos, o que será que aconteceu com eles? A casa bonita, os filhos inteligentes, o casamento perfeito, o carro confortável, as viagens, os lugares a conhecer, os amigos fieis, as festas da “society” e os mimos todos que a vida nos oferece e que enfeitam nossa trama. Será que se realizaram conforme seu gosto? Todos? A maioria deles? Ou será que foram frustrados pela sina maligna da desilusão que persegue os sonhadores? Espero que não, inclusive, gostaria de tê-los visto realizados... assim como você, oxalá, os viu. Me emociona lembrar que tivemos planos em comum, que vivemos juntos um bom tempo, sonhamos juntos, choramos juntos, nos amamos e nos odiamos em profundidade. Foi bonito, e uma honra, compartilhar um pedaço da minha história com você.

Quando se vive com alguém por um longo ou curto período de tempo, sem saber transformamos fatos, que poderiam ter sido mesquinhamente lacrados em uma vida só, em generosos momentos únicos de duas vidas. Pois é, as lembranças não eram só suas ou só minhas, eram nossas. Interessante e deveras triste, é pensar que agora são apenas minhas. É uma pena não termos convivido por mais tempo, mas não sei se podemos ter o desplante de nos arrependermos disso. São escolhas e a vida é escolher, não tenha dúvida.

Sabe o que me entristece um pouco? A última lembrança que tenho de você. Aquela foi a última vez que nos encontramos e conversamos pessoalmente. Poderíamos ter aproveitado melhor, não acha? Mas como já disse, a vida é escolha. Lembro-me muito bem. Afinal, como poderia me esquecer da postura arrogante que você sustentava naquele dia, mesmo que mascarada pela anormal beleza e senso de humor, sorriso meigo e o visual impecavelmente cuidado nas minúcias, como sempre. Pena mesmo que a arrogância estava lá. Tomara que o tempo e a tão imperfeita memória humana cuidem disso, e certamente irão.

Mas o que dizer pra quem já se foi? O que dizer de quem já se foi? Nessas horas não nos resta muito, a não ser uma oração sincera e essa tentativa de auto-consolo que é imaginar uma existência bonita e torcer para que tenha sido verdade. Enfim, só queria lhe demonstrar o apreço que tenho por você, mesmo depois de tanto tempo em que estivemos ausentes, distantes um do outro. É o tipo de afeição que não se apaga, que não tem preço. É o carinho mais sincero que permanece.

Pedi para que lhe enviassem uma linda coroa de flores, colorida e alegre, como você era. Esta carta, assim que terminar de escrevê-la, queimarei. Que ela seja nossa última coisa em comum, nosso ultimo momento compartilhado, em homenagem a tudo o que foi e ainda é só nosso.

Até um dia.
Saudades sinceras."



texto originalmente publicado 30/10/2006
revisado para esta publicação.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014