quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O único caminho

Neste domingo que passou, um amigo tentou suicídio. Foi a terceira vez, neste semestre que lidei com esse traço assustador da realidade que é o suicídio. Os três em Umuarama, cidade onde cresci, e cujo ritmo está longe da desumanidade e dos altos e baixos chocantes daqui de São Paulo, onde moro atualmente. E, em cada um dos três, um desfecho diferente: esta última, uma tentativa que não se concretizou; numa outra, a pessoa mudou de ideia antes de agir; e uma terceira, a qual, infelizmente, foi bem sucedida. 

Dar fim à própria vida, encerrar bruscamente uma história. Impossível medir o desespero ou os motivos exatos que levam alguém extinguir-se, mas, os muitos motivos que existem, talvez se encontrem num sentimento comum, comum a todos nós, inclusive. Afinal, todos já nos sentimos sem esperança em algum momento da vida. O desespero ao olharmos ao nosso redor e nos vermos solitários, ou ao olhamos pra nosso interior, estarmos vazios e encontrar só um abismo infinito de anseios que, apesar da constante busca, nunca são saciados; paralisamos quando somos massacrados pela realidade tão diferente do que sonhamos ela, ou nós, fossemos; enfim, são incontáveis os motivos que nos fazem desistir de nós mesmos, perder a confiança na nossa capacidade de nos realizarmos dia após dia e vivermos bem.

A Organização Mundial da Saúde diz que a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo. Não se pode ficar tranquilo com um dado desses. Está aí um sintoma de uma realidade terrível que criamos, onde, a cada 40 segundos, alguém se sente cansado demais para dar o próximo passo rumo à felicidade. É um alerta de que estamos tentando matar a fome de nossas almas com o alimento errado. Tentamos nutrir nosso espírito com o materialismo que, incompatível com a fome age feito um ácido, nos correndo e aumentando o rombo o quanto mais o ingerimos.

Fica claro que negar a existência uma dimensão espiritual, que nos completa e dá apoio, está gerando um mundo sem esperança e enganosamente sem sentido. E isso afeta a todos nós, não necessariamente muito tristes ou em estado de calamidade. Nós também, em nossos dias comuns das nossas vidas comuns, entediados, em busca de nos sentirmos vivos, nos arriscamos na inconsequência diária dos entorpecentes naturais ou químicos. E essa fuga constante de nós mesmos, por ser impossível, só gera mais angustia e necessidades maiores de entorpecimento, com nossas doses diárias de veneno que, a longo prazo se tornam litros.

Ora, se pra tudo do universo existe uma contrapartida, não se pode mais ignorar as faces opostas, porém complementares da existência. É tempo de aceitarmos a dualidade da vida em todos os seus aspectos. Há momentos bons e momentos ruins; se há o concreto, há, também, o abstrato; se há o corpo, há, também o espírito, e os dois precisam de alimento e cuidados específicos. Assim como o dia só se considera completo pela chegada da noite; só contemplamos a real alegria quando experimentamos sua opositora, a tristeza; só valorizamos realmente o sucesso quando provamos do insucesso; até mesmo a própria completude só se torna absoluta pela existência das ausências em contraponto.

Sei que muitas vezes é difícil de perceber, mas existir nunca é um ato vazio, mas uma experiência completa por si só, riquíssima de estímulos e méritos e, é claro, dificuldades e deméritos. É certo que a busca por um sentido na vida nunca chegará ao fim, pois nós, finitos, nunca conseguiremos abarcar o infinito dentro de nós; então, se a fome da alma nunca será aplacada, ao menos podemos escolher os melhores alimentos, os melhores pensamentos, as melhores atitudes, para que não nos envenenemos, sempre respeitando a vida, a nós mesmos e à dinâmica do Universo. Quando se vislumbra o infinito, o amor se torna o único motivo, e viver, o único caminho.


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Jardinagem



Escrita e jardinagem são exercício de paciência. Ambas demandam observação atenta e aplicação estética com o fim de ajudar a criatura cuidada a manifestar o máximo de suas potencialidades, entre tudo o que já veio programado pela semente.

Dos menores arbustos às maiores árvores, do haikai aos romances épicos, a complexidade, a delicadeza e a densidade de um texto varia muito, como varia a flora por toda a biosfera, a ponto de não a conhecermos por completo. Portanto, também é muito variado o método de cultivo e cuidados para cada espécime, o que nunca afasta a atenção e a técnica, inata ou adquirida, no trato do jardim.

Plantar, regar, podar, levar ao sol. Assistir crescer, deixar dormir, esperar pra ver se no dia seguinte a muda pegou melhor. Folhas, palavras, ramos, frases, terra, mente e papel que, após golpes de caneta, tesoura, regador, borracha, pá e cursor, vão do vaso dos rascunhos ao jardim, para admiração do público, publicadas.

Como paciente jardineiro, ser escritor é se revestir da lida cuidadosa e constante sobre suas criaturas. Quanto mais atento, mais notará necessidades de nova poda e cuidados adicionais. O 'mistério da fé' dessas profissões irmãs é conseguir perceber a cria madura para defender-se e responder ao ambiente sem ser manipulada por nós e, então, nos afastarmos dela para vê-la interagir na paisagem. Constantemente haverão chamados para nova aparagem, um texto publicado pode ser revisitado ilimitadas vezes, pois ele é vivo como uma planta, se expande em novos ramos, gera sementes e novas mudas para que, com elas, se continue o ciclo, fazendo ainda melhor o que já se fez nas várias experiências passadas. E, por isso, semeamos sempre.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Chuveiro, não faça assim comigo!

Incrível como, durante o banho, as melhores ideias aparecem. E é mais incrível ainda a forma que elas desaparecem assim que começamos a nos secar. Dá a impressão de que ao esfregarmos a toalha na cabeça nos as espirramos fora da cachola pra nunca mais voltarem. Tem algumas que, literalmente, vão pelo ralo e sequer esperam você desligar o chuveiro para se dissolverem completamente, escorrendo corpo afora, junto com o sabão e a sujeira, desaparecendo esgoto adentro.

Diz a Bíblia que Deus, quando criou o mundo, pairava entre as águas. E até que faz bastante sentido imaginar Deus, no seu chuveiro Big Banho Cósmico, entre as águas, tendo ideias geniais e, bem... estamos nós aqui. A diferença é que Ele, perfeito, consegue transpor a barreira do Box Celestial e executar seu plano. Nós, ainda não.

Me intriga o que faz uma simples chuveirada se transformar nessa chuva de ideias, nesse criadouro de gênios. Vários estudos dizem que as melhores ideias saem mais fácil de quem tem local de trabalho bagunçado do que de pessoas muito organizadas, que sofrem mais pra parir ideias. E, em geral, banheiros são lugares organizados. O shampoo vai estar sempre ali, ao lado do condicionador; o sabonete, que muda de cor de vez em quando, sempre estará na saboneteira; as toalhas mudam de cor também, mas estão sempre no lugar de toalhas. É um lugar tão monótono que ninguém vai lá passar um tempo, vai só quando realmente precisa. Exceto, pelo jeito, as boas ideias.

Aqui em casa os azulejos são brancos, o que deixa tudo mais chato ainda. Mas existem aqueles azulejos com padrões variados, nos quais podemos ficar imaginando centenas de coisas desenhadas entre uma lavada no sovaco e um enxágue de cabelo. Mas eles não aumentam a criatividade. Já tive boas ideias nos dois ambientes, comprovando-se, então, a não influência dos padrões morfológicos do revestimento cerâmico na geração de novas conexões neurológicas ou sinapses dotadas de significação pertinente na vivência do sujeito. Só pra tirar uma onda de científico.

Mas eu poderia tirar uma onda conspiratória, veja bem: considerando que a França tem mais cientistas renomados e prêmios Nobel que o Brasil, será que eles tomam mais banhos do que a gente e inventaram essa história de "banho só no sábado" pra nos enganar e nos passar pra trás na indústria da inovação? Se prestarmos atenção, os outros europeus e os americanos do norte também não são muito chegados num banho e vivem de vender suas ideias pro mundo. Acho que estamos sendo enganados! E, ora, com essa crise hídrica, a gente pode pensar em tirar isso à limpo... bem, talvez nem tão limpo... meio sujinho, e tal, mas a chance tá aí.

Parece que é só durante o banho, sem ter onde tomar notas, com água escorrendo da cabeça aos pés, a mente fica tranquila para criar. O que não se repete no sofá, na escrivaninha ou na hora do café. Deveria! Pois, olha, foi difícil evitar que, junto com a água e o sabão, também fosse pro ralo a bela ideia de crônica que eu tive pra hoje.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Filme : Que Horas Ela Volta [2015, Anna Muylaert]



Uma certa angústia diária tem nos tomado o coração e nos transformado em prisioneiros sabe-se lá de que. Mas o que são e de onde vêm estas grades e algozes que nos afligem?

Assisti ao filme Que Horas Ela Volta, no qual Regina Casé interpreta a Val, uma empregada doméstica, daquelas que mora na casa dos patrões. Seria apenas mais uma produção nacional criticando a cultura elitista e marginalizante do Brasil, mas o jeito sutil e leve com que os temas surgem demonstrou o cuidado da diretora em não fazer apenas mais um filme que choca a audiência sem conseguir provocar uma reflexão válida.

Eu não iria resenhar o filme, mas à partir do momento no qual a história começa a caminhar para a resolução, entendi um recado que, talvez, nem fizesse parte dos planos da diretora: neste filme todos são vilões. Todos são vilões para os outros, é claro, e para si mesmos, martirizando-se sem perceber. Então, além da crítica social, descortinava-se uma mensagem de busca pela verdade íntima de cada pessoa, de equalizar-se consigo mesmo e com a vida, para minimizar os sofrimentos e embarcar numa existência mais leve e tranquila. Minha busca pessoal estava na tela.

Em cada personagem fica evidente um traço psicológico dominante que, ao sobressair dos outros causa o mal-estar em que vivem. Bárbara, é a mãe, orgulhosa e vaidosa; Carlos é o pai, sonhador, melancólico por não ter se realizado, beira a loucura; Fabinho é o filho, a inconsequência juvenil, a abençoada ignorância dos mecanismos da universo; e, por fim, temos Val, a empregada, como personagem principal, que de tão humilde é subserviente e sem amor próprio. Todos cegos de sua condição e dependentes um do outro, cada um puxando o peixe pro seu lado e mantendo esse sistema doente em equilíbrio.

Vivem confortáveis até chegada de Jéssica, filha da Val que, por ser vaidosa, sonhadora e jovem, consegue conversar com todos, de igual pra igual. Mas, por não ser muito humilde, não o dialoga com a própria mãe. Quando se agrega ao sistema de relações da casa, Jéssica e o desarmoniza e derruba, mas graças a isso, permite que sua mãe, ao tentar restabelecer a ordem à qual dedicou a vida, se reencontre.

Através de vários acontecimentos da história, Val percebe que também pode comandar a própria vida, ultrapassar alguns limites, querer algo mais, coisa impensável antes da chegada da filha. E a angústia se resolve quando ela, após o caos, equaliza todos os caracteres de si mesma, sem excessos e pelo amor. Ela dilui sua humildade e subserviência em pitadas do orgulho próprio de Bárbara, algumas doses da inconsequência juvenil de Fabinho e volta a sonhar os próprios sonhos como Carlos.

E foi assim que, despretensiosamente, Val respondeu a questão do início desse texto, mostrando que nós mesmos criamos nossas prisões e algozes ao nos desconectarmos de nós mesmos. Fugimos da nossa essência, ignoramos nossos sonhos e necessidades em detrimento de preconceitos, medos e necessidades sociais questionáveis. Por isso que, ao final do filme, estávamos Val e eu, ambos com os olhos marejados e o mesmo sorriso de esperança no amanhã, enquanto as luzes do cinema se acendiam.

domingo, 4 de outubro de 2015

Sintonia

"O Universo é uma melodia entoada no compasso."
Haroldo Dutra Dias


Acredito que tudo o que acontece em grande escala no Universo pode ser replicado, em menor escala, nos elementos que o compõe e, para exemplificar isso, domingo passado publiquei um texto comparando o ciclo das estações do ano com o ciclo de vida de um ser humano. Como se as coisas todas fossem o mecanismo de um relógio, com discos de engrenagens maiores, girando mais devagar, e discos de engrenagens menores, girando mais lentamente, algumas até mesmo replicando o ritmo de outra de tamanho diferente. Ou seja, tudo, sem exceção, está conectado; tudo tem seu tempo, cada coisa no seu ritmo, movimentando o mecanismo infinito que é o Universo.

A preocupação que me desperta o tema, já há algum tempo, é o quanto estamos gradualmente nos desconectando desse mecanismo. E não posso duvidar que grande parte da nossa angústia, senão toda ela, é causada por esse nosso distanciamento da cadencia universal. Estamos fora do ritmo, tropeçando na harmonia cósmica. Os sinais não são poucos e estão aí pra quem se dispor enxergar.

Interessante que dias após de publicado o texto, fui surpreendido pela seguinte aula dos estudos do Livro de Gênesis, do Antigo Testamento Bíblico, que acompanho. Nada mais do que a expansão e esclarecimentos a respeito dos infinitos ciclos que se complementam e se espelham no Universo. Senti-me em sintonia, o que é bastante pertinente quando o tema proposto é sintonizar-se com o Cosmo.

Enfim, sem muita delonga, deixo os dois vídeos recebidos nesta última semana, nos quais o iluminado Haroldo Dutra Dias consegue expandir de forma deliciosa e didática a ideia que apenas consegui propor, e de forma muito rasa, no último domingo.





Caso você tenha sobrevivido ao primeiro vídeo e continua curioso sobre o assunto, tem mais esse aqui, de 20 minutos, complementando a ideia e abordando o assunto à partir de uma visão mais pro lado da Doutrina Espírita.




E continua na aula 26 (atualizado em 22/10/2015):




Também existe essa aula mais antiga, sobre o Livro Levítico, gravada no ano passado, que também desenvolve o assunto. (atualizado em 22/10/2015):



E continua (atualizado em 28/10/2015):



Fechando o raciocínio, com argumentos, em sua maioria, espíritas, esta última aula, que insere e localiza nosso pequeno ciclo humano num ciclo muito maior, de muitos milhões de anos (atualizado em 09/11/2015).