sexta-feira, 21 de agosto de 2015

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Prosseguir

Durante a queda, saber cair
E encontrar chão firme pra ficar em pé
Se no escuro da vida, armar-se da fé
Pra candeia da alma se fazer luzir

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Filme : Neruda - Fugitivo [2014, Manuel Basoalto]



Memórias. Cheiros, sabores, cores e texturas, a vida está guardada aí. É o que nos constrói, é o que, somado, somos. E quanto mais próximos da infância voltamos, mas próximos chegamos da nossa alma pura, da nossa essência, escondida sob cascas e mais cascas de vida vivida, gasta e endurecida.

Zigmund Freud, com sua Psicanálise, já nos atentava que olhar para o nosso passado, não é só olhar pra trás, é olhar para dentro e para o fundo, é reencontrar-nos nus e castos, curiosos e impressionáveis. É autoentendimento, oportunidade de resgatar verdades e sonhos, de nos realinharmos com a pureza original e com quem realmente somos. Sabendo disso, Manuel Basoalto tentou, em filme, revelar a essência de um parente seu, por parte de mãe: Neftali Ricardo Reyes Basoalto, o maior poeta da Sudamérica, conhecido pelo pseudônimo Pablo Neruda.

O filme Neruda – fugitivo não é uma biografia ou filme histórico. Basoalto (o Manuel), deixa de lado a história política do Chile e os esquemas intrincados da fuga de Pablo Neruda para a Argentina, à cavalo, através dos Andes, por motivo de perseguição política; ignora o antes, o durante e o depois da vida de Neruda e dos outros personagens da trama e nos mostra o que pra ele é o real tema do filme: de onde vem, como sobreviveu e como se expandiu a poesia de Neruda após tão traumático e difícil período de clandestinidade de quase seis meses (setembro de 1948 à março de 1949), dos quais boa parte foram passados às margens do Lago Huishue, no Chile. O importante aqui, como já disse o principezinho de Sain-Exupéry, "não se vê com os olhos". O importante para Manuel Basoalto, me parece, é entender como, durante a fuga, Pablo Neruda se tornou uma força da natureza, uma entidade Sulamericana, como a própria Cordilheira dos Andes.

O filme retrata o íntimo do poeta em seu mergulho na America do Sul e em si mesmo, revisitando os lugares onde passou a infância, nos arredores de Temuco, onde ainda muito jovem aprendeu a amar a vida e a poesia. Durante todo o filme vemos ecos de seus versos nas pessoas que o acolhem em suas casas; caminhando por entre as florestas que ele atravessa; transpirando pelo seu corpo cansado ou pela vegetação andina; derretendo feito a neve dos andes e escorrendo pelo curso dos rios que ele cruza; sussurando em seus ouvidos feito brisa ou ventando em tormenta nos vales que o escondem; cantados nas canções, ao lado das fogueiras gauchas, nas noites frias dos acampamentos; chovendo torrencialmente e trovejando ou pingando em lágrimas de saudade da sua amada esposa "Hormiguita" e da vida tranquila que abdicou por um bem maior, um Chile livre do autoritarismo e da violência estatal.


Pablo Neruda às marges do lago Huishue, no Chile.

Neruda vivia poesia, que para ele era uma coisa da vida como todas as outras, como a política, o trabalho, o dormir ou acordar. Nunca deixou de escrever (e carregava sempre consigo sua máquina datilográfica portátil), criando, durante os quase seis meses de fuga, a maior parte do livro de poemas "Canto Geral", publicado em 1950, uma espécie de Livro do Gênesis da América do Sul, versejando, nos 231 poemas divididos em 15 Seções (Cantos), sobre a identidade Sulamericana. Percebe-se mais a influência do Canto X  que, não coincidentemente, se chama "O Fugitivo (1948)"  do já citado Canto Geral no roteiro de Manuel Basoalto, do que do livro histórico/biográfico Neruda : Clandestino, de José Miguel Varas, citado como referência pela maioria da crítica especializada. Talvez por isso o filme soe mais como um poema do que como um filme biográfico normal.

Assistir ao Neruda - fugitivo é como ler os poemas de Pablo Neruda, vendo seus versos saltarem incontáveis vezes nas falas e imagens do filme. É sentir a granulação da película, que envelhece e deixa tudo com cara de memória, de página de livro; é entender o faixo de sol que surge por entre as árvores enquanto poeta abraça sua amada "Hormiguita"; é encarar com reverência a Cordilheira que, imponente, abençoa o continente, mas, vilã, afasta o poeta da liberdade e da vida; é ouvir o canto dos rios, que correm feito sangue, o sangue latino, pelas veias abertas da América do Sul, entidade materna, de cujo barro foi forjado o povo Sulamericano. E, talvez, o mais importante: é, não só vislumbrar o íntimo do poeta Neruda, mas também sentir, lá no fundo de nós mesmos, debaixo de camadas de corpo e rocha, os chamados do Continente e da Poesia de que somos feitos.


Ps: Tocou-me tanto esse filme, que me inspirou o texto de semanas atrás, escrito na noite e dia seguinte à sessão de cinema. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Álbum : A Love Supreme [1965, John Coltrane]



Desde os tempos imemoriais da humanidade a meditação e a oração são sugeridas como meio de contato do homem consigo mesmo e com o Cosmos, ou seja, orar ou meditar com energia proporciona a conexão entre a esfera mais íntima e minúscula de cada ser e a esfera mais exterior e infinita do Cosmos, unindo criatura e criador, a parte com o todo e, através dessa sintonia com todas as coisas, o praticante é iluminado e libertado.

Dos muitos seres de luz que já passaram pela história humana sugerindo a prática íntima e constante da oração ou meditação, podemos citar um que é, no mínimo, curioso: John Coltrane, saxofonista e lenda do Jazz.

Foi, coincidentemente, no dia de aniversário de sua morte (17 de Julho) que terminei de ler o livro "A Love Supreme" (Barracuda, 2007), escrito por Ashley Kahn e bem traduzido para o português por Patricia de Cia e Marcelo Orozco. O livro traz um panorama bem completo de todo o processo musical de Coltrane até chegar à criação, gravação e desdobramentos de uma das maioers obras primas do Jazz, de todos os tempos: a suíte A Love Supreme, lançada num álbum homônimo em 1965.

Acertadamente o livro não se prende apenas ao processo do disco, mas acompanha toda a trajetória musical de Coltrane, desde que saiu do Rehab e se tornou abstêmio de álcool e entorpecentes; sua passagem por diversas bandas, como a de Miles Davis, até formar a sua própria, com a qual disco a disco vai caminhando para libertar sua música das amarras estéticas e teóricas que tanto o incomodavam. Nele também encontramos depoimentos de amigos, parentes, parceiros musicais, produtores fonográficos, fãs e trechos de entrevistas que nos facilita visualizar, com mais amplitude, o que inspirava e movia Coltrane na sua busca que, além de músical, era evidentemente espiritual. 

O livro também não deixa de lado as informações sobre o music bussines da época, técnicas de gravação e mixagem. Assinalo a participação de Rudy Van Gelder, engenheiro de som do A Love Supreme e outras belas obras do jazz, que tem até capítulo à parte pela fundamental importância para a sonoridade do disco, bem como para que o livro se tornasse muito mais interessante. Foi uma surpresa colossal saber que vários discos de Miles Davis, Duke Ellington, Thelonious Monk e outros grandes nomes do Jazz dos anos 1950 foram gravados na sala de estar da casa dos pais de Rudy, à noite, após ele sair do trabalho em uma ótica e enquanto seus pais dormiam. Isso é algo que eu e muitos músicos fazemos e achamos uma incrível novidade. Doce ilusão, os grandes do Jazz (e não podemos esquecer do velho Les Paul) já tinham seu home studio e faziam obras primas atemporais. 

O que chama atenção no Rudy é que o som que ele conseguiu captar dessas gravações é de altíssima qualidade, sensacional até hoje. Enfim, há informações pra todos os níveis de interesse e, mesmo pra quem não "entende de música", Ashley Kahn coloca a informacão técnica de forma a fazer sentido para que qualquer interessado possa entender a influência de cada elemento, técnico ou artístico, na obra de Coltrane.

Durante a leitura do livro entendemos a dedicação quase monástica ao estudo e prática da música a que Coltrane se submetia, numa intenção nunca secreta de dominar a técnica e as linguagens para depois subvertê-las e expandí-las, como se emulasse Sidarta Gautama ou Jesus Cristo, em meditação e prática constante no deserto, buscando iluminação – que, de fato, como ouvimos no disco, conseguiu – e puxava para o mesmo caminho os músicos que o cercavam. Desta forma, como um Messias e seus seguidores, pregação após pregação pelos teatros e bares do mundo, o quarteto formado por Coltrane no sax (barítono e tenor), Mckoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no Contrabaixo e Elvin Jones na Bateria, se transforma numa das maiores expressões do Jazz, referência não só da época, mas de tudo o que veio depois deles.

Com a coesão do quarteto comprovada no álbum Crescent (1964), Cotrane sentiu-se seguro para dar o próximo passo de sua jornada libertadora das notas musicais e de sua alma, criando um álbum extremamente Espiritual. Em A Love Supreme, todos se expressam mais do que musicalmente, eles se conectam entre si e com o Universo tocando a música que ressoa em suas almas, livres, dando graças ao criador pela oportunidade de estarem vivos.

Os sons que estão imortalizados nos fonogramas são os que foram gravados na noite de 09 de Dezembro de 1964, já no estúdio construído por Rudy, em Englewood Cliffs (New Jersey), e não mais na casa de seus pais. E a notícia de que houve uma sessão extra, na noite seguinte, com um Sax extra (Archie Shepp) e um Baixista extra (Arthur Davis), que desapareceu pra sempre, vai me arrepiar pelas próximas vidas. Interessante, também que as únicas fotos existentes (muitas estão no livro) são da sessão do dia 10, pois dia 09 não houve fotografo registrando. Ou seja, temos as fotos de um dia e o som de outro dia.

Uma suíte é um formato da música clássica, um conjunto de músicas que giram em tordo de um mesmo tema, no caso de A Love Supreme é homenagear Deus. Coltrane mesmo define sua suíte como uma oração e, por ser músico, se expressa melhor usando notas musicais, facilitando assim a conexão com o criador e com o Amor Supremo no qual ele se sentia envolvido e reverberando. 

O nome das faixas, Acknowledgment (Reconhecimento), Resolution (Resolução), Pursuance (Busca, Persecussão) e Psalm (Salmo, Prece, Oração), mostram o caminho sugerido pelo Jazzman para que nos sintonizemos com Deus, ou seja: Reconhecer a existência Dele; Resolver-se como filho do Criador; buscá-Lo sem descanso até visualizá-Lo e agradecê-Lo, em oração sincera pela graça da existência e das possibilidades de trabalho, estudo e evolução que nos foram dadas.

Ashley Kahn nos presenteia com 40 páginas de descrição detalhada de como cada uma das quatro faixas da suite se desenvolvem, abrindo-nos uma outra gama de entendimento sobre cada segundo de música. Mas Psalm, o salmo de Coltrane, tem uma história à parte. Ele é um poema escrito pelo próprio músico que, ao invés de declamá-lo no disco, tocou sílaba a sílaba no seu sax barítono. De uma sinceridade ímpar, é o momento mais iluminado do disco, com notas arrepiantes e lindas de se acompanhar ao mesmo tempo em que se lê o poema.

Faça isso você, agora:



Ou por esse vídeo da própria Coltrane Church (sim, existe).






E pra facilitar de vez a experiência, uma versão cantada de um trecho do Salmo:



Em algum dia de 1964, durante sua pratica diária, John Coltrane entendeu algo, sentiu algo e, mais que isso, ele colocou em prática, gravou um disco e espalhou a idéia. Utilizou a sua melhor forma de agir para se comunicar e se conectar com o Deus e Cosmos, recebendo e enviando amor. Depois de ler o livro e ouvir atentamente ao disco, foi impossível não ficar tocado ou, ao menos, pensativo, sobre estar mergulhado num grande mar de Amor Supremo e de energia infinita, mas não estar acessando isso tudo. Se como Coltrane, eu também posso melhorar minha conexão com esta infinita reserva de energia boa usando a meditação e a oração. 

Se todos somos capazes de criar as melhores coisas quando nos esforçamos usando só a nossa própria força, imagino o quanto melhor faríamos se estivéssemos agindo movidos pelas forças de todo o Cosmo. Qual seria a minha obra prima?

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Sem Título

É deserta a realidade!
Sem poema que me sirva,
Sem palavra que me salve.
Se sou algo, sou saudade.