terça-feira, 28 de abril de 2015

Filme : O Ladrão de Sonhos [1995, J.P. Jeunet e M. Caro]



Quanto nos custa sonhar? Qual o valor desses sonhos? Uma vida sem sonhos não deve ser fácil, a imagino árida. Krank, um velho rabugento e sem alma, criado por um cientista louco, sabe muito bem o que é uma vida sem sonho, pois ele não os tem. Ele, o próprio ladrão de sonhos, é que dá o título em português para o filme La Cité des Enfants Perdus, pois em desespero, tenta roubar os sonhos das crianças que sequestra para sua fortaleza isolada em alto mar. Mas só consegue pesadelos. Pobre Krank, desesperado, envelhece a cada sonho que não tem. E deve funcionar assim conosco também.

Mas essa não é a única referência à nossa psique existente nesse excelente filme, dirigido pela dupla J.P. Jeunet e Marc Caro e lançado em 1995. No mundo sombrio que eles criaram, cercados de água por todos os lados, desfilam personagens estranhos: aberrações de freak show com suas paranóias, guerreando entre si; um cérebro preso num aquário, dotado de sabedoria e enxaquecas, mas sem membros, depende dos outros para agir no mundo; uma trupe de clones que, juntos, não valem por uma pessoa sequer (como toda massa popular cheia de "iguais"); adultos infantilizados e/ou neuróticos; crianças sérias, com comportamentos bastante adultos; e até mesmo uma seita que prefere cegar-se ao ver os problemas do mundo e resolvê-los, aguardando algum messias que vá colocar tudo em ordem para, aí sim, eles voltarem a abrir os olhos e desfrutarem do paraíso. São todas caricaturas de nós mesmos, ou quem sabe, uma reprodução do caos interior de cada um de nós e de todos os elementos que o compõe. E não posso deixar de lembrar da figura da princesa anã, nada mais do que a imagem do amor artificial que, prisioneiro, escravizado e servil não cresceu, se deformou.

Com uma ambientação tão bonita, que conta, inclusive, com figurinos de Jean Paul Gaultier, uma cenografia tão importante quanto uma personagem da trama e um universo subjetivo complexo, atraente e rico – o que é bem comum no cinema de arte europeu – a busca do herói One e sua parceira Miette, por seu irmãozinho sequestrado pelo Ladrão de Sonhos é um mero detalhe, é só mais um dos elementos desse conto de fadas para adultos que conspiram para que, assim como aquele velho rabugento do Krank, nós também percebamos que sonhar é necessário para se viver e que até mesmo as aberrações têm esse direito.



terça-feira, 21 de abril de 2015

Não estamos podres. Não somos lixo.



O que mais se ouve hoje em dia é que o mundo está podre, ou melhor, a humanidade está podre. Afinal, o mundo, o planeta Terra, esse globo de rocha que nos abriga está como sempre esteve, forte, seguindo sua marcha e, certamente sobreviverá à nós. Enfim, fala-se muito dessa coisa podre e malcheirosa na qual nos tornamos, cancro altamente contagioso que nos levará à extinção por nossas próprias atitudes.

Por muito tempo me juntei ao coro dos descontentes e engrossei o vozerio dos que proclamam o fim da humanidade e sua causa mortis como "apodreceu". Hoje, discordo. É claro que nossas atitudes inconseqüentes podem nos extinguir sim, e disso não se duvida, afinal a lei de causa e efeito é universal, imutável e imprescritível, e a ela responderemos em todos os níveis de atuação, da mais íntima e pequena à maior e mais global. O que quero dizer é que discordo de que estejamos podres.

Se prestarmos atenção na natureza e em seus ritmos, podemos perceber que tudo no universo segue uma marcha natural desde o nascimento até a morte. É a famosa relação nascer-crescer-amadurecer-morrer. Ou seja, para todas as coisas, da escala subatômica mais ínfima até a imensidão cósmica, a marcha natural demanda, antes da morte e depois do nascimento, o amadurecimento. E não adianta espernear, nós não somos superiores às regras do Universo e jamais iremos controlá-las.

Prefiro, então, pensar nessa outra dinâmica e defender a idéia de que, pelo contrário, a humanidade não está podre e, sim, muito longe disso. Ela sequer atingiu a maturidade, e como é abundantemente observável e evidente em todos os setores do universo natural do qual fazemos parte, não há como apodrecer antes de se estar maduro. Além do que, só se apodrece depois que a vida acaba por completo, depois de morto, e nunca antes. O que é vivo não apodrece.

Penso, também, que a idéia da humanidade podre é perigosa, e nos remete ao tratar-nos feito lixo, que se descarta, abandona, enterra-se tudo bem fundo e deixa-se para trás, antes que o fedor aumente ou alguém pegue alguma doença. E sabendo de outra lei natural, bastante clara de que o que é morto não volta à vida, a humanidade podre já teria passado do ponto, já estaria morta, fedendo e inútil, não teria mais solução e só nos restaria abandoná-la. E abandonando a humanidade, abandonamos a nós mesmos e damos um impulso extra para o nosso próprio sofrimento através dos tempos.

Portanto, é essencial para a construção de uma nova e melhor realidade, entender que a humanidade não está podre, pois nunca esteve madura. É importante que entendamos e respeitemos o ciclo natural das coisas e alinhemos nossa dança ao ritmo universal. Isso nos faz ter uma nova postura, mais compreensiva e pró-humana, nos dá esperança, paciência e força para continuarmos a trabalhar continuamente, interna e externamente, para o bem.

Sempre que se fala em mudanças na humanidade, existe a impressão de que seja um trabalho coletivo, de mobilização global, que devemos sair por aí gritando, brigando e obrigando as pessoas a se comportarem de outras maneiras, de imediato. Agindo assim, inviabilizamos o trabalho pela simples impossibilidade de se mobilizar todo o mundo num único esforço, e isso, além de nos deixar cansados e desanimados antes do tempo, ajuda a criar conflitos que só dificultam ainda mais a coisa toda. O trabalho que se propõe é solitário, é profundo, cada um em si mesmo, pois os nossos valores íntimos e as nossas atitudes no mundo são a única coisa que cada um de nós tem o poder de mudar no universo. Ninguém jamais mudou, muda ou mudará o outro sem que esse aceite mudar por si mesmo, através de uma decisão própria e indelegável.

Enfim, se cada um cuidar exclusivamente de si antes de cuidar do vizinho (exceto, é claro, quando ele pedir por ajuda), nos melhoraremos dia-a-dia, auxiliando a marcha evolutiva natural à qual estão sujeitas todas as coisas do universo – o que inclui, por óbvio, a todos nós – rumo à tão desejada maturidade e, quando for o seu tempo, ao envelhecimento e à morte natural, em paz.


terça-feira, 14 de abril de 2015

'Cause we always have a story

Domingo, dia 12 de Abril, assisti à premiere brasileira do documentário "What Happened, Miss Simone?", biográfico de Nina Simone, grande pianista, vocalista e compositora do Jazz e do Soul, um mito da música contemporânea, além de influente ativista dos Direitos Civís nos EUA. Extremamente emocionante, o documentário me ajudou a entender de onde vinha tanta força e complexidade nas músicas de Nina, que não estava ali só fazendo um número. Ela insistia em agir e dizer o que sentia, e toda essa vontade de se fazer entender ressoava com sua música, inclusive, em uma entrevista ela disse querer que o público saísse aos pedaços de suas apresentações, feridas, emocionadas. E é o que ela faz.

Aí entendi o motivo de haver dias impossíveis de ouvi-la, apesar da vontade. Não estou na mesma freqüência que as canções e todo o seu conteúdo emocional. Ainda bem que há dias em que as mesmas músicas me abraçam e me preenchem com os melhores dos sentimentos. Entendi a complexidade da vida que construiu a artista, e fatos concretos que inspiraram as suas canções, pude ver o por que de "The Other Woman" e "He Needs Me", minhas preferidas dentre tantas dela, soarem tão sinceras e emocionantes. É que ela está realmente sentindo e cantando o que está nas canções. É a vida ela, sinceramente apresentada em música. Nina Simone não era só artista, ela era a sua própria arte, ela dava a si mesmo, integralmente para o público. Deixou muitos sonhos de lado, sofreu muito por isso, enlouqueceu por isso, mas também é imortal por isso.

Uma cena marcante do documentário: depois de muitos anos em auto-exílio na Libéria, ela volta a tocar e se apresenta no Festival de Jazz de Montreaux de 1976. No palco, questiona o que todos estão falando sobre ela desde que voltou a tocar: de que Nina Simone já foi uma grande estrela e agora está decaída e essas coisas. Resolveu, então, que tocar uma música seria o jeito mais fácil de explicar o que ela pensa e sente sobre isso tudo e, após chamar atenção de uma garota na platéia, para que se sente (percebe-se aí a importância do momento para Nina), toca uma versão da música Stars, da Ian Janis, música com uma letra muito pertinente sobre as engrenagens do showbiz, da vida de artista e a relação que existe entre ele, o público e as expectativas que todos criam. Não pôde ser diferente, como sempre, dá pra perceber em detalhes como ela se sente sobre a sua vida, dá pra ver nos olhos dela, dá pra sentir na voz e em cada nota do piano, ainda mais com as adaptações que ela faz na letra, aproximando-a da sua história.

Foi um prazer realmente conhecê-la, Nina Simone. Ou se você preferir, Eunice Kathleen Waymon.

Aqui vai o vídeo. A letra [tentei escrever os improvisos dela, que estão em itálico], segue abaixo:



Stars, they come and go.
They come fast, they come slow.
They go like the last light of the sun,
All in a blaze.
And all you see is glory.
But it gets loney there,
When there's no one here to share.
We can shake it away,
If you hear a story.

People lust for fame,
Like athletes in a game.
They break their collarbones,
And come up swinging.
Some of them are crowned
Some of them are downed,
Some are lost and never found.
But most have seen it all.
They live their lifes in sad cafes and music halls.
And they always have a story.

Some make it when they're young,
Before the world has done it's dirty job.
And later on, someone will say,
"You've had your day, now you must make way."
[...] always.
But you'll never know the pain
Of using a name you never owned.
Or the years of forgetting
What you know too well.
That the you who gave the crown,
Have been let down.
You try to make amends without defending.
Perhaps pretending.

You never saw the eyes
Of young men of twenty-five,
That follow as you walked,
Ask for autographs,
Or kiss you on the cheek.
And you never could believe he really loved you. Never.
Some make it when they're old
Perhaps they have a soul they're not afraid to bare.
Perhaps there's nothing there

But anyway that isn't what a meant to say.
I'd tell you about a story, since we all have stories
I can't remember it anyway
So I'm telling about I moved within the United States
Today and permanently, even in Switzerland, it goes...

But I'll continue it anyway and [...] it together

Some women have a body men will want to see
And so they put it on display
Some people play a fine guitar
I could listen to them play all day
But anyway
I'm trying to tell you my story
Janis Ian told it very well
Janis Jopplin told it even better
Billie Holliday told it even better

We always, we always, we always have a story
And the latest story that I know
Is the one I'm suposed to go out with.


domingo, 5 de abril de 2015

Um desabafo

Independente da opção política, um bom estadista, um líder de verdade, deveria unir o Povo em torno de ideais comuns e guiá-lo através das dificuldades, sempre preservando a união e o sentimento de nação.
Me decepciona – apesar de saber que não deveria, já que isso não é nada novo – ver que o que temos é exatamente o oposto. Não se une para fortalecer e evoluir, mas divide-se para enfraquecer e dominar.

quinta-feira, 2 de abril de 2015