Essa história aconteceu em meados dos anos 70, numa pequena cidade ainda jovem, muito religiosa e conservadora, no interior do Paraná, algo bem comum naqueles tempos da colonização do estado. Era época de quaresma, período de quarenta dias após o carnaval, no qual os católicos ficam em resguardo, orando. Nesse período a igreja não aconselha festas, pois os santos, os anjos e demais elementos do exército celeste também estão em resguardo ou ocupados com outras coisas e deixam de cuidar de nós, os mortais, ficando livre o caminho para as forças do mal irem à forra com os descuidados.
Mas o Manoel, também conhecido como Mané, dono do salão de baile mais famoso da cidade, não dava a mínima pra isso de igreja e também não achava a idéia de ficar quarenta dias sem abrir seu salão de balei muito boa. “Quem vai pagá o meu feijão, pô?!” – dizia ele.
Então Mané resolveu fazer o baile, normalmente, naquela primeira sexta-feira de quaresma. O padre excomungou, as beatas esconjuraram, todo mundo olhou torto pra ele. Mesmo assim o Bailão do Mané lotou e o rastapé comeu solto a noite toda... ou quase toda. Dizem que por volta das onze da noite apareceu um forasteiro, um cara elegante, de paletó claro, camisa branca sem gravata, sapatos brancos lustrosos, bigode charmoso e babosa no cabelo penteado pra trás. O sujeito chegou calado e foi direto ao bar tomar um trago, e cada movimento seu era acompanhado pela atenta vigilância dos homens do salão. Os olhos de todas as garotas brilharam de desejo.
Não demorou muito e o forasteiro pé de valsa estava rodando o salão, dançava com uma, com outra, mais outra... estava literalmente dando um baile no pessoal e deixando as moças ouriçadas, que o cercavam querendo mais. Chegou um ponto em que todas elas só queriam dançar com o tal cara do bigode, deixando os homens do recinto tão indignados, que foram tirar satisfação. Aí a coisa ficou feia. O Ademar da quitanda, um cara enorme e esquentado, já chegou empurrando o forasteiro de lado e perguntou:
– Quem diabos é você, cumpadi? Vai chegando e atrapalhando o nosso baile, pegando nossas garotas... Cê acha que é quem?
O forasteiro, deixando educadamente de lado a moça com a qual dançava, olha firmemente para Ademar durante uns 5 segundos, sem esboçar qualquer reação. Então responde, sorrindo:
– Quem diabos, Ademar? Quem diabos?!?! E começa a rir.
A risada vai aumentando cada vez mais até ecoar por todo o salão e encobrir a música. A banda para de tocar e todos, assustados, olham para o risonho forasteiro. As luzes então começam a piscar desordenadamente; apagam e acendem ao som daquela gargalhada ameaçadora até que, finalmente, tudo escurece.
Ao acender das luzes o forasteiro não está mais ali na frente do Ademar, mas em cima das caixas de som ao lado do palco, e continua rindo. Enquanto gargalha feito um lunático levanta suas duas mãos para cima, se consome numa labareda de fogo e desaparece. Todos que estavam no salão imediatamente saem correndo desesperados, deixando na sala apenas um forte cheiro de enxofre e um Ademar preocupadíssimo, repetindo sem parar enquanto também fugia : "Ele sabia o meu nome... Ele sabia o meu nome... Ele sabia o meu nome..."
Dias depois tomaram coragem para voltar ao salão, foram acompanhados pelo delegado e pelo padre que, armado de água-benta e crucifixo, ia benzendo o caminho à frente. Revistaram todo o salão, mas a única coisa que encontraram como prova daquela noite sinistra foram as marcas de dois cascos de bode queimadas sobre a caixa de som de onde sumiu o forasteiro. No jornal do dia seguinte, na primeira página, publicaram a foto das marcas e a seguinte manchete: “Baile do Demônio - o dia em que o Capeta veio pra dançar.".