Fazia tempo que não olhava para uma resma de papel almaço, mas não existem muitas opções quando se fica quatro meses sem um computador. Pra alguns, mais jovens, até mesmo a palavra resma já parece sair de alguma filosofia hermética e antiga. E, pensando bem, até que faz sentido que pensem assim. Mas ela existe, e está aqui na minha frente, cheia de folhas brancas com linhas azuis me indicando o caminho a percorrer com minhas ideias e aguardando, imóvel e pacientemente, enquanto eu as formulo. À mão, preencho cada letra, folhas e folhas de trabalho hercúleo. Mas o resultado compensa e vai além da poética dessa forma tão solene de criação que é a analógica. E, graças à tecnologia de reciclagem do papel, nem é mais tão ecologicamente incorreta assim.
Pensei nos antigos. Eles sim que tinham um trabalhão! Um mesopotâmio, ao ter uma ideia, refletia antes se valia realmente a pena registrá-la, afinal, antes do registro, tinha que preparar a argila e colocá-la no molde. Mesmo se a ideia fosse ótima, durante o processo de preparação da placa e a gravação dos caracteres cuneiformes, dava tempo de meditar e aprimorar bem o que escreveria, sem espaço pra bobagem. Imagino que um caderno de páginas de pedra não deveria ser nada fácil de carregar, mas já era mais plausível e tranquilo do que carregar as paredes das cavernas.
Mesmo com a invenção do papiro, do pergaminho e, posteriormente do papel, ainda havia algum ritual de preparação. Apontava-se a pena, diluía-se a tinta, e tínhamos aí mais uma última chance de amadurecer a ideia antes de sair rabiscando o suporte que, passivo, apenas recebia a informação. Jazia ali, plácido e puro, aguardando que o mestre o gravasse, letra a letra, calmamente. Até mesmo com a máquina de escrever havia esse momento quebra-gelo e maturação da mensagem. Inseria-se o papel, ajustava-se a tabulação e margens, conferia-se se o papel estava horizontalmente alinhado e, só então, datilografava-se (atenção ao verbo, quase extinto), pressionando com cuidado e firmeza aquelas teclas pesadas, ritmada e atentamente, para que os tipos imprimissem bem o papel sem se enroscar, ou algum erro grave de grafia colocasse a página inteira em risco de ir pro lixo e ter que ser redatilografada (e temos aí um outro verbo quase extinto).
Enfim, temos novamente um computador nas mãos. Me estranho com o cursor que pisca insistentemente na tela, me desafiando. Por mais que eu digite, ele continua a piscar, a pedir mais, e mais, e mais palavras. Tento mostrar quem manda, quem dá o ritmo. Paro de escrever, levanto e vou fazer um café, tento criar um método pra nos deixar mais íntimos novamente, recuperar o respeito, aquela química de antes, tirar nossa relação dessa ansiedade juvenil, desse gozo precoce, que me parece epidêmico em todos os setores da vida. Tem sido uma boa luta de readaptação e, felizmente, posso dizer que estamos obtendo algum sucesso. E o café, no fim das contas, só tem servido pra atrapalhar minhas noites de sono.