domingo, 20 de novembro de 2016

Livro : O Céu e o Inferno [1865, Allan Kardec]

Comentários ao capítulo IV - O Inferno, do livro O Céu e o Inferno, de Allan Kardec.
Capa para uma das muitas edições da Federação Espírita Brasileira


O Céu e o Inferno, ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo (Le Ciel et l'Enfer, ou La Justice Divine Selon Le Spiritisme), é um dos livros básicos do Espiritismo. Foi publicado por Allan Kardec, em 1º de agosto de 1865, após vários anos de observações e estudos. Composta de duas partes, a obra traz luz sobre o mecanismo da Justiça Divina, sempre de acordo com o princípio evangélico: "A cada um segundo suas obras".

A primeira parte do livro é dedicada a um exame crítico e filosófico, sob o paradigma Espírita, de vários assuntos relacionados aos sentimentos de medo e culpa que desenvolvemos, através dos tempos, tanto pela religião, quanto por outros aspectos culturais. Sentimentos e costumes que podem, conforme Kardec, ser eliminados através do exame racional aliado aos conhecimentos científicos conquistados pela humanidade durante sua evolução.

A segunda parte do livro é uma compilação de vários diálogos que Kardec estabeleceu com diversos espíritos, os quais descrevem as impressões e sentimentos advindos do processo de desencarne (morte). Desta forma, pode-se comparar as diferentes experiências conforme diferente é o carater de cada espírito comunicante.

Por ocasião de um seminário apresentado no dia 05 de Outubro de 2016, em aula do curso de Espiritismo da Federação Espírita de São Paulo, coube ao meu grupo discorrer sobre o capítulo IV - O Inferno. Tal capítulo trata dos temas: intuição das penas futuras; o inferno cristão imitado do inferno pagão; os limbos; quadro do inferno pagão; esboço do inferno cristão. Como resumo deste seminário, escrevi o texto abaixo, o qual gostaria de compartilhar com todos.

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Desde que se tem notícias, sempre houve, na humanidade, a idéia de uma vida futura, após a morte. E os detalhes de como seria essa vida futura variam conforme o nível evolutivo, científico, moral e religioso de cada civilização. Se materialista, a vida futura dos justos era envolta de prazeres materiais abundantes; e, quanto mais espiritualizada, os prazeres eternos do Paraíso iam se deslocando para a felicidade moral, e a leveza da consciência. Da mesma forma, os medos culturais e as dores físicas cotidianas eram transferidas para o Inferno. Por exemplo, civilizações que viviam cercadas de gelo, criaram infernos extremamente gelados; já as civilizações de climas quentes, criaram infernos insuportavelmente quentes. As civilizações mais avançadas, que já entendiam as relações morais da vida, criavam infernos onde as punições doíam na consciência, pela culpa das más atitudes tomadas em vida; em oposição ao paraíso, morada dos justos e de consciência tranquila, a desfrutar a paz eterna. E assim por diante.

Entretanto, apesar das várias formas de representação da vida futura, vale ressaltar o quanto esse conceito antiqüíssimo é comum e possui confluências conceituais, mesmo tendo se manifestado em várias civilizações diferentes, que não se comunicavam, espalhadas e distantes ao redor do mundo. O que nos leva a considerar a existência de uma intuição comum a todo ser humano, um conhecimento espiritual, que as almas de cada ser encarnado trazem consigo, sobre uma existência ditosa ou não, conforme a vida que se levou aqui na Terra.

Focaremos na idéia do Inferno, tema do capítulo estudado. Dada a antiguidade do conceito de que existe um lugar para punições na “vida pós morte”, podemos afirmar que o Inferno não é uma invenção da igreja Católica. O que ela fez foi apenas agregar sua interpretação e seus dogmas às idéias de inferno Pagãos, cultura que combatia e desejava subjugar, piorando o máximo possível a descrição dos sofrimentos. Desta forma, criava imagens horripilantes para causar bastante medo em seus fiéis, o suficiente para mantê-los tementes, sob controle e contribuindo financeiramente com a Igreja, sem questionar, afinal questionar a igreja levava ao Inferno, por toda a eternidade.

O inferno Católico é um lugar onde os espíritos de quem não é católico e levou uma vida desregrada, cheia de atos considerados pecado pelo catolicismo, recebem punições eternas e insuportáveis. É um inferno de caráter duplo, obviamente incongruente, pois pune, com dores físicas, espíritos que não possuem corpo físico. De certo, o caráter meio materialista meio espiritual desse inferno é resultado do estágio intermediário de evolução da humanidade ocidental durante o período no qual esse inferno foi confeccionado.

Por ser um amálgama de idéias de outras crenças não católicas, temos muitas coisas em comum entre o inferno Pagão e o Católico, sendo, como já dissemos, pioradas na descrição católica. Por exemplo, para os Pagãos, o Rei dos Infernos é Plutão, que está lá apenas gerenciando, recebendo e punindo quem por lá chegar, sem fazer qualquer outro tipo de juízo, ele faz o que deve ser feito pois esse é o seu trabalho e ponto. Já no inferno Católico, o Rei dos Infernos é Satanás que, além de punir as almas que por lá chegam, também é responsável por criar armadilhas e tentações para humanos desavisados, com o fim de angariar sempre mais almas para as suas masmorras.

Os pagãos situavam o Paraíso e o Inferno em um lugar físico. O Paraíso, para além das nuvens e o Inferno nas profundezas da terra. Os católicos, por muitos séculos, também fizeram o mesmo. Tiveram que mudar de idéia pela impossibilidade de manter tal crença, já que, após processos científicos de observação do subsolo e dos céus, comprovou-se não existir resquício algum de qualquer estrutura infernal sob a terra ou paradisíaca sobre as nuvens. Kardec aprofunda essas comparações no capítulo “quadro do inferno pagão”, citando a descrição de Inferno feita por François Fénelon, no conto sobre Telêmaco; e no capítulo “esboço do inferno cristão”, aprofunda-se sobre os estudos e digressões católicas, questionando-as e as comentando.

Sabendo que o Paraíso era para os bem aventurados, que viveram para a igreja Católica, seguiram todos os seus preceitos e pagaram todas as suas ‘tarifas’; e o Inferno era para os seus opostos, o que seria da vida futura daqueles Católicos que, por algum motivo falharam, que fizeram quase tudo certo e, por forças irresistíveis ao humano médio, pecaram? Como ficariam aqueles que se esforçaram muito mas, como a carne é fraca, se tornaram impuros para a vida eterna no Paraíso? Para cobrir essa lacuna, onde certamente estariam a maioria dos fiéis, criou-se o Purgatório, um lugar para onde iriam esses espíritos, os quais seriam eternamente punidos, de forma mais leve do que no inferno, mas aguardando a misericórdia divina, a intervenção dos Santos ou as orações dos vivos rogando para que Deus os perdoasse as faltas e os aceitasse no Paraíso. Desta forma, mesmo que ainda escravos dos prazeres da carne, ainda valia a pena tentar ser Católico e contribuir com o dízimo.

Entretanto, ainda restavam sem domicílio eterno as almas que não tiveram a oportunidade de conhecer a Luz de Deus, conforme os dogmas Católicos; que não foram batizados, que não participaram da comunidade Católica, o que viveram à margem de Deus, como os selvagens, as crianças mortas antes do batismo e todos os justos que vieram antes da vinda de Jesus Cristo. Para estes criou-se o Limbo. Limbo significa, literalmente, borda, margem, extremidade. 

Para os justos que viveram anteriores à Jesus, dizem ter havido um limbo especial, o Limbo dos Patriarcas, que foi extinto quando Jesus, após ser crucificado, foi até lá e perdoando os pecados, recolheu a todos que lá estavam, como prêmio por sua fé. Mas, subsiste até hoje e se manterá por toda a eternidade, conforme os Católicos, o Limbo para os demais espíritos, que lá passarão a eternidade, sem direito à salvação. Idéia extremamente contrária à infinita misericórdia e amor de Deus por toda a sua criação.

Todos estes cenários, independente da cultura nos quais foram criados, onde existam punições eternas sem chance de “revisão da pena”, são monumentos à imperfeição de Deus e, atualmente, por não terem lógica alguma são, também, um convite ao ateísmo. Criou-se a imagem de um Deus que pune, que julga, que cria os seres imperfeitos e os condena pelas atitudes imperfeitas inerentes a isto; um Deus quase humano, instável e não confiável. Essa imagem de Deus entra em conflito com a mensagem do Cristo e a intuição que todos temos, intimamente, sobre Ele, gerando dúvidas e desconfianças sobre a fé que deveríamos cultivar. Assim, conclui Kardec que o Dogma do Inferno, ao contrário de dar autoridade e respeitabilidade à Deus, apenas O diminui, transformando-O em uma entidade tão imperfeita e questionável quanto o ser humano, esta sim é uma verdadeira e imensa blasfêmia.

No sentido oposto, temos a doutrina Espírita e sua visão da vida futura, das Leis Universais, pelas quais os Espíritos colhem exatamente o que plantam e na justa proporção do que plantaram. Que tira o Paraíso de o Inferno de lugares físicos, exteriores ao ser humano e os coloca onde é mais lógico que estejam: sob a nossa responsabilidade, dentro de cada um de nós (como bem ilustra a capa da edição que ilustra o início deste texto). O Inferno somos nós mesmos e não mais os outros, como dizia Jean Paul Sartre.

Desta forma, o Espiritismo enaltece a perfeição de Deus, Sua justiça, misericórdia e amor infinitos. E, além de tudo, alinha-se com vários livros sagrados, principalmente a Bíblia e as palavras de Jesus Cristo, de forma harmoniosa, sem a necessidade de malabarismos interpretativos esdrúxulos e duvidosos.

Entretanto, por mais absurdas que seja a idéia do Inferno como local eterno e irreversível de punição, ainda é necessário que ela exista. Pelo temor que causam, são, para vários grupos de pessoas em estágios de evolução espiritual ainda primária, a única forma de limite de consciência, de provocar reflexões e frear atitudes contrárias às Leis Universais. Fica, portanto, à cargo do Espiritismo, o trabalho firme e constante, através da educação e da promoção da fé raciocinada, de combater estes conceitos defasados, ao ponto em que eles não sejam mais necessários, proporcionando a todo ser humano uma conexão direta e verdadeira com o amor, a justiça e a misericórdia, enfim, com a perfeição infinita de Deus.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Guns n' Roses : Since I Don't Have You

Em 1994, os Guns n' Roses lançaram o single "Since I Don't Have You", o terceiro do disco "The Spaghetti Incident?". O disco é uma coletânea de covers que, dizem, a banda tocava "antes da fama". Quando uma banda faz isso, de voltar às raízes, é sinal de que estão tentando se reencontrar, reencontrar aquela "magia de antigamente". Não encontraram. Foi o último disco com a formação clássica.

Separados, depois de décadas foi que se encontraram. Reuniram-se, esse ano, para uma turnê mundial que está sendo ótima, tanto para os nostalgicos quanto para os que nunca haviam visto o Guns, de verdade, no palco.

Versão de uma música de 1958, dos Skyliners, "Since I Don't Have You" não tem quase nada de Guns n' Roses, como eles mesmos não tinham mais quando a gravaram. Mas traz, sempre muito vivo, esse sentimento, essa reflexão sobre as ausências. Pode uma coisa só valer por tudo o que se tem? Eu não tenho nada se não tenho você? A resposta é simples e lógica, mas como toda resposta simples e lógica, não se internaliza tão fácil.

Apesar da gente insistir, brigar, chorar pra que seja o contrário, é não tendo o que se quer que se descobre o que se precisa.



sexta-feira, 11 de novembro de 2016

De Deus


"Na semente, Deus é a árvore; na árvore, Deus é a semente."

Paulo Mendes Campos

(na crônica O Folclore de Deus. revista Manchete26/05/1962, da coletânea O Amor Acaba)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Cuide-se, bem


Pelo Universo, transitam os corpos celestes, cada um em sua trajetória, sempre cíclica. Alguns ciclos pequenos, perceptíveis a nós, como o do nosso planeta em relação ao sol, de 365 dias; outros, de tão imensos, passam quase que desapercebidos, como o do Sistema Solar em relação ao centro da Via Láctea, que dura em torno de 25.600 anos. É imenso! E sua imensidão não significa aleatoriedade.

É nessa imensidão que temos uma infinitude de corpos seguindo o seu trajeto, circulando uns ao redor dos outros. Atraem-se, encontram-se, impulsionam-se, combatem-se, chocam-se, aglutinam-se, estabilizam-se, unem-se, repelem-se, distanciam-se, numa dança marcada pelo sutil e monumental ritmo cósmico.

Tanto lá quando cá. Essa dança se replica em tudo, desde a infinitude imensa do universo, até a infinitude minúscula do subatômico. Se repete em toda a natureza que nos cerca, em todo átomo. Em nós, em nossas células e suas organelas; e por nós, em nossas relações sociais e afetivas. Não poderia ser de outra forma, fomos feito à imagem e semelhança da Inteligência Cósmica. Somos e compomos o Cosmos.

E seguindo nossa trajetória, encontros e desencontros nos causam leves desvios, alguns impulsionam, outros freiam, alguns apenas passam, outros desestabilizam. Desviamos, evitamos, mas, mesmo com nossa força de vontade, livre arbítrio e consciência, não nos furtamos de participar dessa dança maior, não escapamos das forças que nos colocam sempre de volta à órbita da nossa própria vida.

E por não sermos corpos inanimados, nos afeiçoamos, nos vinculamos, de forma mais ou menos profunda, a cada outro corpo que nos compartilha da rota, seja por muito ou pouco tempo. Trocamos forças e influências, sempre levamos algo conosco e oferecemos do que temos.

Mas, também é da dança o desencontro, o despedir-se, o ausentar-se. Disse Vinícius, com a autoridade que a poesia lhe concedeu: "A vida é arte do encontro. Embora haja tanto desencontro pela vida". Para todo encontro, sempre haverá a hora de partir, seja pelas estradas que se separam ou, até mesmo pela vida que se acaba. E cabe a nós estarmos atentos e preparados, de nos despedirmos sempre deixando gravados, da forma mais evidente e indelével, o amor e a gratidão por tudo o que foi compartilhado.

Guilherme Arantes, na canção "Cuide-se bem", canta o que seja, talvez, uma das mais bonitas mensagens de conforto e carinho que se pode deixar a quem segue, distanciando-se da nossa rota, para seguir a sua própria:


Cuide-se bem!
Perigos há por toda a parte
E é bem delicado viver
De uma forma ou de outra
É uma arte, como tudo

Cuide-se bem!
Tem mil surpresas à espreita
Em cada esquina mal iluminada
Em cada rua estreita do mundo

Pra nunca perder esse riso largo
E essa simpatia estampada no rosto

Cuide-se bem!
Eu quero te ver com saúde
E sempre de bom humor
E de boa vontade com tudo


Mas, sem nos esquecermos que tudo é sempre cíclico, toda tristeza pelas despedidas deve se converter em esperança, pois, em algum momento, depois do tempo que for, um novo encontro acontecerá. E que, nessa hora, estejamos bem. Enquanto isso, bailemos!



terça-feira, 1 de novembro de 2016

Gratidão


Estas são duas versões gráficas, feitas por Fábio Lonardoni, para o meu poema Gratidão, constante no livro O Pretérito Presente no Subjetivo. São sutilmente diferentes na interpretação e, como não consigo decidir qual é a melhor, publiquei as duas que estão lindas.