sexta-feira, 28 de abril de 2017

Nem tudo é relativo

Li um artigo que falava sobre o pensamento pós-moderno, que está na moda atualmente, e sugere ser toda construção racional uma imposição socio-cultural e, por isso, deve ser questionada e combatida, até mesmo com atitudes violentas. Assim, os pensadores pós-modernos apregoam por aí que tudo é relativo, que a informação e o contexto trazidos por qualquer texto não é mais importante; o que vale mais é o que foi recebido, filtrado pela vivencia e opinião do receptor, independente se essa informação é oposta ou até mesmo não está no texto.

Não há problemas se o texsto for artístico, inclusive, essa abertura de interpretação é, muitas vezes proposital. Entretanto, sugeria o texto que lia, ser perigoso quando se adota tal postura relativista sobre tudo, principalmente sobre o conhecimento científico, adquirido através do método e observações factuais, citando que já existem movimentos que lutam pelo fim da Ciência (esse engodo da classe dominante) e sugerem a bruxaria como substituta; ou ainda uma filósofa pós-moderna que admite ser possível considerar que uma girafa não é necessariamente mais alta do que uma formiga, pois até mesmo as proporções das coisas dependem de crenças e valores impostos de cima pra baixo. Fiquei assustado.

Se olharmos o mundo com um pouco mais de atenção, é possível perceber que grande parte das barbaridades que vivemos atualmente tem a ver com essa relativização geral das coisas, da ética, do método, do bem e do mal, do certo e do errado, etc. O consenso geral, um entendimento médio, não existe. Inclusive, questiona-se a utilidade dele existir. E quando um grupo não tem uma opinião comum sobre o que é importante, onde quer chegar, como ou quando é melhor chegar, por exemplo, cada um vai pra um lado, faz o que bem entende e nada progride, pelo contrario, regride.

Parece-me que o pensamento pós-moderno tem fortalecido a individualidade de uma forma burra. Antes eramos indivíduos, sim, mas células de um organismo que deveria caminhar unido. Hoje, tentam nos convencer que somos apenas células que caminham sozinhas, sem um corpo. E, conforme o que sabemos científica ou empiricamente, qual formato vai obter mais sucesso? Não vejo onde isso possa ser relativo, são milhões de anos de fatos.

Das partículas primitivas aos seres humanos, tudo, em algum momento, "percebeu" que viver em conjunto aumenta as chances de sucesso na existência. É lei da atração, é a comunidade, é o amor e, mesmo que existam hoje diversas ideias sugerindo o contrário, é evidente que elas estão equivocadas. Veja o que está na sua frente: estamos sendo estraçalhados pelo nosso egoismo e solidão, modus vivendi em grande parte sugerido por essa nova filosofia.

A união faz a força, sim. Desde as partículas minerais aos grupos sociais. E, mesmo que unidos não nos tornemos invencíveis, pois não somos eternos nem perfeitos, só unidos seremos mais fortes, e só unidos sobreviveremos.


sexta-feira, 21 de abril de 2017

Meu amigo Pedro

Sabe, o Pedro era um amigão, a gente trabalhou muito tempo juntos e, sempre quando chega o outono, esse friozinho chegando, eu me lembro daqueles dias. Acho que já se passaram uns quatro anos e eu ainda não acredito naquilo tudo. Você também não vai acreditar, mas... tudo bem, eu conto a história, não tem problema. 

Um dia chega o Pedro com esse papo besta, com essa ideia de que não quer mais saber de ser tão sentimental, que não vai mais se emocionar e nem se envolver com nada e nem ninguém. “To cansado dessa joça, pro inferno com isso tudo! Sentimento não tá com nada!” – ele falava. Imagina, logo de manhã, lá no escritório, com essa ideia maluca, a coisa só podia estar grave mesmo. A gente bem que tentou dissuadi-lo, até sugerimos terapia, mas não deu não. Foi piorando a cada dia. 

No começo ele simplesmente ficou mais quieto, menos opiniões, menos conversa fiada e essas coisas que a gente até entende. Depois parou de ir pro happy hour. Daí, umas duas semanas depois ele simplesmente não foi mais trabalhar. Trancou-se em seu apartamento e raramente atendia ao telefone. Eu fiquei preocupado, afinal ele estava levando aquilo tudo muito a sério. Insisti numa visita mas nada feito, ele simplesmente saiu de circulação. Nem demissão tinha pedido, o chefe ficou uma arara de bravo. 

A esperança era a Dona Nilsa que, uma vez por semana ia fazer a faxina no apartamento dele, mas ela não era daquelas muito atentas e nunca sabia falar nada sobre o cara, se tava bem, se tava mal... Ficamos definitivamente sem saber de nada do que se passava com o nosso amigo. Então, naquele mês, veio a calhar de um feriado bem no dia da faxina, e a Nilsa não foi, deixando Pedro duas semanas em completo isolamento. Alguns vizinhos, moradores dos andares abaixo, disseram que nos últimos dias antes do fatídico evento, seus passos estavam a cada dia mais evidentes, pesados, dava pra perceber o ir e vir do rapaz pelo apartamento. “A gente catucava o teto com a vassoura pra ver se ele pisava mais leve, mas nada feito” – disse a Dona Menezes do 304. 

E foi assim, num 20 de Abril, não tem como esquecer essa data, véspera de mais um feriado, a Dona Nilsa entra no apartamento pra fazer a faxina, como de costume e, quando passa pelo corredor que vai da cozinha para os quartos, tropeça numa pedra enorme largada no chão. Primeiro ela xinga, depois, solta um grito que foi ouvido por todo o Edifício Europa e, se bobear o quarteirão inteiro: “Seu Pedro!?! Peloamordedeus!!! Seu Pedro!!!” e desmaia. 

A vizinhança, assustada com o grito, chama a polícia, e o local logo vira alvo dos curiosos. A imprensa foi correndo pra lá; ligaram no escritório e todo mundo foi pra lá também. Atravessei aquele mar de gente na portaria e, por ser amigo do Pedro, me deixaram entrar no apartamento. Todo mundo com cara de bobo, ninguém acreditava, eu estava pasmo, mas, na minha frente estava aquilo lá, uma pedra, das grandes, uma pedra com a cara do Pedro! Com a cara dele, cara! Entende o que é isso? Eu não, eu não entendo.

sábado, 15 de abril de 2017

Feliz Sábado

Neste mesmo período do ano, por volta de dois mil anos atrás, os habitantes da Palestina, manipulados pelos detentores do poder e do alto status social, trataram como um criminoso e condenaram à morte um grande homem. A motivação de tamanho ato covarde foram as ideias que ele espalhava por aquela região, que colocavam em risco as suas regalias e projetos de poder. Achavam, na sua lógica simplória, que exterminando o homem acabariam com suas ideias. Mas não contavam que boas ideias e grandes verdades sobrevivem aos homens. 

Vemos que até hoje continuam a campanha contra tais ideias claramente libertadoras, que nos tirariam debaixo da tirania e sofrimentos que há milênios nos afligem os desgovernos, tanto dos nossos líderes sobre as nações quanto os nossos sobre nós mesmos. Desde aquele tempo nos manipulam através de expedientes ardilosos que nos afastam a capacidade de pensamento e reflexão. Ainda somos a massa de manobra imatura que prefere ver livre de punição o criminoso perigoso das nossas próprias culpas, do que ser chamada às responsabilidades dos próprios atos. Ainda somos quem lava as mãos na hora das escolhas difíceis e transfere a autoridade de decisão para da turba raivosa dos pensamentos egoístas e desejos desmedidos.

Não sejamos mais assim. É hora, e já é há mais de dois mil anos, de amadurecermos. É hora de seguirmos o outro exemplo dessa história, o do personagem que, ciente das suas responsabilidades no mundo, se dispõe a viver diferente, para o bem comum, enfrentando de cabeça erguida, com serenidade e sem esmorecer, os fortes golpes que receberá pelo modo de vida incomum.

Se não aprova o mundo como está hoje, assuma as rédeas da própria vida e a responsabilidade que lhe cabe. A solução e o exemplo estão aí, resumidas no vídeo abaixo. Basta segui-lo. Mude e mude o mundo.

Um feliz Sábado. Uma feliz vida inteira.



sexta-feira, 14 de abril de 2017

Tudo morre para renascer

A beleza e a utilidade do símbolo vem, em grande parte, de sua elasticidade. Um símbolo pode ser adaptado a diversas realidades sem perder a sua essência e a mensagem que carrega. A humanidade já não cria mais símbolos tão complexos como os de antigamente, muito da linguagem simbólica que nos utilizamos hoje em dia já existe a milênios e foi criada pelas civilizações antigas do hemisfério norte. É uma pena não termos resgatado e mantido com a mesma atenção os símbolos das civilizações aqui do hemisfério sul.

A Páscoa é um desses casos. Data altamente simbólica, é comemorada durante o período no qual ela faz sentido: a Primavera. Nós apenas importamos a data, algo objetivo, e a comemoramos num contexto exatamente oposto: o Outono. Imagino que celebrar a Páscoa em sua época original facilita o entendimento e o sentimento do que ela quer dizer. Mas, como disse antes, por serem elásticos, os símbolos e sua mensagem, mesmo fora de contexto, devem ser considerados, conhecidos e refletidos.

Desde que se percebeu parte de um universo que funciona ritmado, a humanidade celebra este ritmo. As festas primitivas, em sua grande maioria, senão em sua totalidade eram demarcadas por eventos no céu ou na terra, eventos que indicavam um novo período, com novas dinâmicas de vida cuja observância seria, e ainda é, importante para manter a boa vida. Portanto, tais festas não teriam apenas um caráter comemorativo, mas também eram usadas, tanto para a reconexão com o pulso cósmico, quanto para agradecer a bonança ou se prevenir das dificuldades advindas do novo período. 

Celebrada na primeira lua cheia depois do equinócio de primavera – pois é uma celebração criada no Hemisfério Norte –, a Páscoa vem sendo celebrada pelos Judeus desde tempos imemoriais, quando já sacrificavam cordeiros. Simbolicamente, nos remete à fertilidade, e quando se fala em fertilidade, se fala no poder de dar vida nova, em renascimento, renovação e, portanto, em morte, sem a qual nada renasce.

Após o Inverno, onde nada floresce e tudo está sem vida, a Primavera traz consigo o renascimento, ano a ano, de todas as coisas, inclusive do calendário Astrológico, quando voltamos ao primeiro signo zodiacal, o de Áries. A lua cheia é o ápice da renovação da lua, que num ciclo menor, mês a mês, desaparece e reaparece, morre e renasce. E sabemos, desde muito antigamente, da potência que a lua cheia dá nos processos procriativos, tanto em plantas, cabelos ou trabalhos de parto.

E foi durante tal período renovador que aconteceu o êxodo dos Judeus, do Egito; quando o anjo da morte deixou de lado, pulou as portas das casas marcadas com o sangue de um cordeiro sacrificado, preservando os primogênitos da família que ali morava. Interessante lembrar que Egito, em Hebraico, é Mizraim, que significa estreiteza, prisão; e pular, em Hebraico, é Pessach, originando o nome atual da celebração : Páscoa. Poderíamos dizer, então, que a Páscoa Judaica celebra o dia que o anjo da morte pulou os Judeus, que ganharam a liberdade, dando-os, por sua fé, a possibilidade de uma vida nova.

Séculos depois, com a morte de Jesus Cristo durante as celebrações da Páscoa Judaica, por volta do ano 33 d.C, surgiu a Páscoa Cristã, que eleva o significado de renascimento a um novo patamar, o espiritual. Cristo tomou lugar do cordeiro a ser sacrificado e, também pela fé, venceu a morte, ressuscitando. Sendo a ressureição um fato ou não, a presença dela na narrativa bíblica nos traz mais um símbolo de renascimento, que sugere o processo de morrer para renovar-se, agora em Espírito, pois era espiritual toda a mensagem do Cristo.

Vê-se que, independente da roupa que vestimos a Páscoa, durante milênios, este período vem sendo sinalizado como importante data de renovação. É a hora em que o planeta Terra está todo alinhado com o Cosmo para renovar-se e, efetivamente se renovando, em todos os aspectos. É um convite ancestral para que aproveitemos a data e toda a sua energia para renovarmos a nós mesmos, como tudo na natureza. E se não há renovação sem sacrifício, que sejamos nós o nosso próprio cordeiro, sacrificando o humano velho, materialista, defasado e viciado, para que possa renascer, em nós, o novo humano, espiritualizado e harmonizado com o novo tempo e, no planeta, portanto, a nova humanidade.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Sobre calar-se

Imagino os arrepios de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) ao desfrutar dos atuais modos de difusão de informação, dando aquela olhada no Facebook, nos portais de notícias e semelhantes, pela internet. Ele que, em 1922, publicou o livro Tractatus logico-philosophicus no qual filosofava, entre várias coisas, sobre a Linguagem.

A linguagem é o meio de interação entre o mundo e os seres. É uma criação intelectual, um arcabouço de símbolos e significados que nos permite entender e significar o mundo, e a forma pela qual expressamos nossas impressões dele. Portanto, todo entendimento, toda construção social e cultural é dada através da linguagem em suas mais diversas formas de manifestação.

Entendendo a limitação da linguagem, por ser vinculada à nossa capacidade intelectual limitada, Wittgenstein acreditava que "o método correto, em filosofia, seria propriamente: nada dizer a não ser o que pode ser dito”, cunhando, assim, célebre máxima: "sobre o que não se pode falar, deve-se calar", à priori sobre as coisas transcendentes, além da nossa compreensão, assuntos que ele nomeia de "Místicos", mas eu não deixaria de lado a sugestão e aplicaria tal regra à qualquer assunto. Portanto, seguindo esse raciocínio, conclui o filósofo que não existem problemas filosóficos genuínos, pois estes são resultados de confusões, distorções de conceitos, gerados pela nossa limitada capacidade de entendimento do universo. Ou seja, o fato de não entendermos a real mecânica da realidade, não significa que ela tenha problemas. As problemáticas filosóficas profundas, são criações nossas, pela nossa incapacidade de transcender.

Sugere, então, Wittgenstein, uma postura de fé sem palavras, de controle da nossa tagarelice, de silêncio respeitoso frente à questões de dimensão místicas, transcendentes, que estão fora do nosso alcance intelectual, sob risco de incorrer em erro, problematizando o que não é um problema de verdade.

Reconhecer o indizível, o inexprimível não é novidade. Os Egípcios já manifestavam essa postura respeitosa em alguns templos, nos quais a figura do Deus dos Deuses, a Suprema Causa de Tudo,  nunca era iluminada pelo sol, ao contrário das outras figuras, que eram iluminadas, cada uma em uma época do ano, simbolizando que, havia coisas que a luz do conhecimento jamais iluminaria. O mesmo símbolo nos acompanha nos "Santo dos Santos" do Templo dos hebreus; que nos remete ao interior mais recôndito da nossa alma, à escuridão do infinito do Universo ou no microcosmo intangível das partículas minúsculas. Tudo nos sugere a existência de uma mecânica além da nossa compreensão e fora do nosso controle, frente à qual só nos resta o silenciar, o ouvir e nada falar.

Como na letra de João Ricardo e Luhli, para a belíssima canção "Fala", do álbum de 1973 dos Secos & Molhados. Decerto é uma letra sobre o momento certo de falar e de calar, escolhendo o silêncio nos casos de reconhecida ignorância. Sinal de humildade. Então, gostaria, aqui, de deixar a sugestão para que tenhamos a mesma postura humilde frente ao Universo: antes de montarmos em nossa arrogância e orgulho, que prefere teorias absurdas à possível simplicidade das verdades, silenciar humildemente, e apenas ouvir o infinito, senti-lo, assumindo que existe, no invisível, o inalcançável, o indizível.




Eu não sei dizer
Nada por dizer
Então eu escuto
Se você disser 
Tudo o que quiser
Então eu escuto
Fala 

Se eu não entender
Não vou responder
Então eu escuto
Eu só vou falar
Na hora de falar
Então eu escuto
Fala