terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A História de Onço (ou Sobre o que muda; e o que não)

Desenho : Onça - por Waldomiro Neto
Morava no ermo, lá nos longes dos cafundós do interior, num dos poucos lugares onde "no meio do mato" ainda significa no meio do mato, mesmo. Criava umas galinhas, mas gostava mesmo era de caçar. As onças também adoravam suas galinhas.

Um dia, um filhote de onça resolveu rondar a casa. E foram vários dias com aquela criaturinha minúscula, que mal dava conta das galinhas, causando na vizinhança. E assim foi indo o filhote, se achegando... e se achegando... até que o ermitão se apegou e adotou o maldido - como o chamava até então.

Promovido de "ô peste arisca" pra "parte da família" - família composta, na realidade, só dele e do ermitão - o filhote era tratado como se pessoa fosse; como um filho mesmo, um amigão: bate-papo, carinho e tudo o mais. Cresceu. Cresceu muito, tanto que já não era mais possível criar galinhas no terreiro. Tornou-se, como diria o ermitão: "um belo dum onço, sô!"

Ser amigo-da-onça não soava nenhum pouco perigoso pro ermitão - que certamente nunca tinha ouvido essa expressão popular ou lido as tirinhas do Péricles. Pra ele, o onço era um amigo leal que o acompanhava nas caçadas. Muitas vezes até ajudava a encurralar a presa, ou encontrar o caminho de volta pra casa. E o safado estava aprendendo bem a arte da caça, "como se tivesse nascido pra isso!" Espantava-se o ermitão.

Passados alguns anos, Onço - nome oficializado por falta de um melhor - se tornou um bicho forte e já era o rei do pedaço ali na floresta, e orgulho do seu amigo ermitão. Aproveitando a moral que tinham nas redondezas, ambos saíram à caça, como de costume. Mas num momento de surpresa - pra toda a floresta inclusive -, Onço ataca o ermitão pelas cosas e o mata, no melhor estilo onça de ser, e vai embora, sumindo no mato pra sempre.

Ah, desavisado do ermitão! Deveria ter se lembrado que uma onça, não importa o que você pense, faça ou deseje, será sempre uma onça. E, inevitavelmente, fará o que onças fazem.


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