terça-feira, 7 de outubro de 2014

Comprovações

O dia seguinte seria muito importante, participaríamos da etapa final do concurso Green Day MTV, que aconteceria no Inferno Club, rua Augusta. O vencedor iria ser a banda de abertura para o Green Day, na Arena Anhembi, para um público de, mais ou menos 30 mil pessoas. Não era costume, mas naquele dia, o Apê 80 (ainda um embrião do que viria a ser no upperground paulistano) foi dormir cedo.

Bellé Jr. (que naqueles tempos ainda era Júnior Bellé), dono do quarto, quedava-se em sua cama; eu dormia num colchão ao lado e o Chapolla em outro. De repente, fui despertado por sabe-se lá o que, era uma sensação de "abra os olhos agora", que obedeci imediatamente. Olhei pra cima, e ali estavam aqueles olhos familiares a me fitar. Ficamos nos olhando por uns 3 segundos, enquanto eu pensava: "O que o Bellé tá me olhando a uma hora dessas?". Foi então que reconheci aqueles olhos, e eles eram da minha avó. "Estranho, a minha avó está internada num hospital", pensei. Arrepiei, e o rosto que me fitava desapareceu. O rádio-relógio marcava, em vermelho, 03:03 da manhã. Lembrei de uma amiga que tinha uma paranóia com números repetidos e pensei no quanto ela ia achar essa história, nesse horário, muito louca. Respirei fundo e voltei a dormir.

O celular do Chapolla toca, ele atende, eu acordo, o rádio-relógio marcava 7:30 da manhã e o sol já pintava o céu de alaranjado lá fora."Ah... aconteceu... tá bom, eu falo pra ele". Eu já sabia o que ele iria me dizer. E ele disse: "Era o seu primo, ligou pra avisar que a sua avó, que estava doente, faleceu essa noite. Não ligaram antes pra deixar você dormir melhor e não atrapalhar o show de hoje, que é importante. Pediu pra você tomar um banho e depois ligar pra ele."

Levantei imediatamente e fui tomar um banho. Chorei enquanto pensava sobre a forma que terminara a história da minha avó, mas sentia alívo por sabê-la livre da dor imensa sentia nos últimos tempos. Saí do banho, liguei para o meu primo, e ele me avisou que dali a duas horas o caixão com o corpo da nossa avó sairia de São Paulo e iria pra Bandeirantes, onde ela seria sepultada e, que minha única chance de vê-la seria chegar à funerária antes que eles saíssem de viagem. Mas a funerária era incrivelmente longe e, sem dinheiro nem pro café da manhã, imagina para um taxi, me restou subir até a Avenida Paulista e pegar algum ônibus. Mas todos os ônibus chegariam depois do horário. Me restou a única escolha de não ir. Fiquei ali no Parque Mário Covas, sentado numa mesa, à sombra de uma árvore e, me lembrando de como minha avó gostava de flores, lhe dediquei uma oração de despedida e agradeci pela oportunidade e alegrias de tê-la como avó e pelo nosso último encontro, no hospital, semanas antes, ter sido bom e eu ter me despedido dela de forma amorosa.

Me lembrei, então, do fato acontecido pela madrugada, no quarto do Bellé. Mandei uma mensagem de texto pro meu primo e perguntei se ele sabia a hora que nossa avó havia falecido. Ele me respondeu que foi por volta das 3 da manhã, que ele estava ao lado dela e olhou o relógio. Um arrepio me correu o corpo novamente, mas dessa vez eu entendi que o arrepio era um abraço, e não era de adeus. Era de "eu te amo, até logo".

Estes fatos, verídicos, aconteceram há exatos 4 anos atrás, no dia 07 de Outubro de 2010, no mesmo horário em que eu publico este texto. Eles mudaram muito do que eu penso sobre a vida, a morte, as saudações e as despedidas.

Muito obrigado, vó, também te amo. Até logo.


Ps: Naquela noite vencemos a final o concurso, e o resultado você vê aqui.


Um comentário:

Thays Petters disse...

Lindo texto.