quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A Bela contra a Fera

- Os aviões o pegaram!
- Não foram os aviões. Foi a Bela. Como sempre, a Bela matou a Fera.

Esta fala encerra as duas versões de King Kong que eu mais gosto: a de 1933 e a de 2005. As outras adaptações para cinema não chegaram aos pés destas, incluindo a mais famosa delas, de 1976, que contava com o charme do Jeff Bridges barbado e da loiríssima Jessica Lange.

"O que a gente não faz por amor?!”, eu pensava. Ainda penso... mas não sou só eu, garanto. Imagina só, você na sua ilha deserta particular, todo poderoso, domina tudo, até mesmo dinossauros e outras criaturas gigantes. Mas aí vem a beleza, a delicadeza, a suavidade... você fica vulnerável e, quando vê, não está mais no comando, se deixa pegar, embarca em qualquer aventura pra estar sempre perto dela. Quando se dá conta, já está acuado em cima de um Empire State Building da vida, tomando tiro da artilharia aérea, que só sossega quando te vê no chão, destruído. 

Sabe, olhando ao redor, com todos sempre ranzinzas, reclamando, guerreando por mixarias que achamos nos pertencer mais do que ao outro, a conclusão é lógica: somos/estamos feito Feras. Mas não como Gorilas imensos, lutando contra dinossauros furiosos, por conta de território, um naco de carne ou, bizarro que seja, uma loira charmosa. Sinceramente, acho que parecemos mais uma manada de Pinshers, minúsculos, assustados com a própria sombra, latindo um para o outro, ad infinitum, pra ver quem se assusta mais e foge primeiro.

E o que nos transformou nestes geradores de impropérios gratuitos? Neste rebanho de insolentes sem limites? Nessa manada de estressados inconsequentes? Onde é que está a nossa inteligência, cultura, capacidade evolutiva e outras coisas que nos tornam humanos? Soterradas sob a lama toxica de mineradoras inescrupulosas; enterradas em secretas valas comuns de tantos crimes sangrentos; espancadas em relacionamentos doentes; silenciadas em lares desmantelados; abandonadas em asilos mofados; esquecidas em baús empoeirados em meio a fotos da infância perdida. Realmente, acuados por tantas catástrofes, parece-me que foi inevitável chegarmos a esse ponto.

Tão deformados estamos, não notamos que somos os criadores das catástrofes, preferindo dar audiência às tragédias e assuntos vulgares, reflexos evidentes de nossa inconsequência e imaturidade. O IBOPE, o DataFolha e, agora, o Facebook, essa nova ferramenta demográfica, estão aí para não me deixar mentir.

Não é questão de nos transformarmos nos Ursinhos Carinhosos, mas é tempo de refletirmos sobre a nossa responsabilidade na informação e emoções que cultivamos, colhemos e distribuímos. Hoje, aquele mesmo diálogo que abre o texto me traz outras imagens. Ao derrotar a Fera, a Bela não a fere, mas a transforma, também, em beleza. E isso está longe de ser ruim, pois nos tornarmos belos e perfeitos é condição de humanidade, evoluir faz parte da nossa essência. Está na nossa história, nos arquétipos e nos mitos mais antigos : por mais monstruoso que seja, todo ser se rende à beleza.


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