sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Aos sempre jovens poetas



Nos tempos da Faculdade, uma amiga, sabendo da minha inclinação à poesia, me emprestou o livro "Cartas a um Jovem Poeta". Uma compilação da pequena, mas bela correspondência entre o poeta tcheco Rainer Maria Rilke e o jovem austríaco Franz Kappus. Trocada vagarosamente entre 1903 e 1908, talvez seja uma das melhores coletâneas de conselhos a um jovem – ou a qualquer um com dúvidas e angústias, que dá no mesmo – que eu já tive notícias. Desnecessário dizer a gratidão que tenho a essa amiga e o quanto essa leitura me marcou e inspirou na poesia e na vida.

O jovem Kappus, aluno de um colégio militar, tinha dúvidas sobre se deveria seguir o seu coração e abraçar a carreira de poeta, que tanto lhe realizava a alma, ou se deveria seguir a militar, que lhe daria segurança financeira e agradaria a sua família – ora, a dúvida que nos une a todos! –. Ao saber que Rilke, o famoso poeta, também havia estudado no mesmo colégio, resolveu escrever-lhe uma carta na qual abria seu coração e perguntava se seus versos eram bons o suficiente para seguir o seu intento poético.

O poeta, mais experiente, entre rápidas digressões acerca do processo da escrita, da poética e dos versos de Kappus – que aparecem hora ou outra pelas cartas –, prefere aconselhá-lo para a vida, talvez a única forma de ajudá-lo de verdade, pois a vida não deve ser nada mais do que nossa melhor poesia. E, assim como na vida, o trabalho na poesia exige fé e análise constante de si mesmo, o poeta se destrói e se reconstrói dia a dia. É uma atividade que acontece pela necessidade de nascer do verso, e não o contrário. Por isso, deve o poeta, antes de tudo, estar em conexão consigo, com o que borbulha dentro de si, e ter forças para trazer isso à luz da melhor maneira. É o esforço hercúleo e inevitável de dar vida, da gestação e parto, tão comum e sagrado na natureza.

E não apenas se conhecer intimamente, mas ligar-se à natureza, inteirar-se do ritmo do mundo e saber deixar tudo amadurecer antes de colher. Ter paciência, viver plenamente o agora, como vivem todas as coisas no universo, entender as limitações inerentes ao humano na magnitude do infinito, perceber seu lugar e função no jogo. Isso acalenta a alma e afasta a angústia da criatividade e do próprio viver, pois “as coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível", senti-los pode ser mais importante do que entendê-los.

Por isso devemos amar as nossas dúvidas, vivê-las agora e sem medo, pois, talvez passemos, "gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas". Entender que "quase tudo que é sério é difícil, e tudo é sério", sem sentir medo, mas, pelo contrário, fazer disso um convite à introspecção e fortalecimento, pois, “talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo terror não passe, em última instância, do desamparo que requer nossa ajuda.”

Viver uma vida sincera em essência e meditativa pode nos fazer sentir solitários, distintos do mundo, mas, longe de nos desestimular, a dificuldade de encarar-se só deve nos impulsionar. Ser solitário é bom, "pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la".

Enfim, como já sugere Kappus, no prefácio do livro, o tom dessa correspondência ecoa tão universal que é impossível não a tomarmos como nossa. Nós, tão distintos e, ao mesmo tempo, tão semelhantes... E a cada leitura deste livro, nos tornarmos mais preparados para soltarmos as rédeas do mundo e segurarmos firmes as nossas, e entender a simplicidade funda destas últimas aspas de Rilke que vos trago:"De resto, deixe a vida acontecer. Acredite em mim: a vida tem razão, em todos os casos."

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Ressaca

(ou reflexões pós-carnaval)


Está lá, ou pelo menos estava há séculos antes de Cristo, nas paredes do Templo de Apolo, em Delphos, na Grécia, a frase: "Nada em Excesso". Talvez esse seja um dos registros mais antigos dos efeitos de uma ressaca no homem. Imagino aquele grego, acordando no dia seguinte da esbornia, cheio do mal estar e, através da filosofia – super novidade da época , chegou a esta magnífica conclusão de que o excesso não tá com nada. Resolveu gravar a conclusão na parede do templo de Delphos pra alertar os convivas, já que aquele era um dos lugares mais movimentados da região.

Ao lado desta salutar máxima está uma outra, que ficou mais famosa ainda, pois foi citada por Sócrates, Krishna, Jesus Cristo, outros avatares cósmicos e, também, por filósofos mais recentes : "Conhece-te a ti mesmo". Na realidade a frase completa é "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo". Mesmo resumido, o enunciado se mantém forte através dos tempos e há muitos motivos para desconfiar que o "conhece-te a ti mesmo", apesar de ser a mais famosa das frases de Delphos, se originou de desdobramentos filosóficos do "nada em excesso", ou seja, da ressaca.

Logo após descobrir que excessos não são bons pra vida, nosso amigo grego deve ter pensado: "mas como vou saber se é excesso ou não? A medida do excesso para um gigante seria o mesmo para um homem normal? O excesso para um homem seria o mesmo para uma mulher?". Sabendo o óbvio de que cada um é cada um, chegou facilmente na conclusão de que só vai perceber o excesso quem se conhecer bem. Pronto! O Templo de Apolo ganhou mais uma anotação nas suas paredes.

Pelo jeito que levamos a vida parece que não, mas todo mundo sabe que a ressaca é causada por desequilíbrio fisiológico do corpo, ou seja, ingestão de toxinas, desidratação e outros desdobramentos físicos. E expandindo o mesmo conceito para além do físico, temos a "ressaca moral".

A ressaca física é de fácil diagnóstico e cura, há remédios e métodos que são tiro e queda na diminuição dos sintomas até que o próprio corpo se cure. Entretanto, contra a ressaca moral, ainda não inventaram nada muito eficiente. Mesmo com os ansiolíticos e antidepressivos, não existe cura efetiva, mas só o alívio dos sintomas, pois a causa da dor pode durar anos e, muitas vezes a vida toda se não houver uma mudança profunda no modo de vida do enfermo. Por isso muitos passam o toda a vida sedados das mais diversas formas, pois ao parar com o sedativo, a causa da dor moral continua lá e volta a doer. É mais difícil curar o espírito.

Perdemos o fio da meada. É evidente que não nos conhecemos bem e que o excesso é uma das únicas formas de felicidade que, erroneamente, supomos dispor. Guerreamos a vida toda para conquistar o excesso de conforto, de dinheiro, de comida, de experiências; mas só conseguimos a ausência de saúde, de dinheiro, de tempo, ausência de nós mesmos na nossa vida. Acho que é hora de voltarmos a pensar no assunto e voltarmos a saber quem realmente somos e tomar controle sobre nossos desejos e nossas atitudes, mirando um futuro realmente feliz, sem amanheceres insalubre, dolorosos e desidratados, física e espiritualmente.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A ignorância é uma benção

Muitos dizem que a ignorância é uma benção, e a maioria desses muitos se escondem atrás dessa ideia para justificar a falta de curiosidade, estudo e interesse pelas coisas todas. Entretanto, desde Sócrates, ouvimos de quem realmente sabe das coisas, que quanto mais se sabe, menos se sabe de verdade. É o tal do "só sei que nada sei". Seria, portanto, o constante aprender a verdadeira porta para a ignorância real, a ignorância humilde, aquela que nos mostra que de tudo o que sabemos ou viermos a conhecer, nunca significará nada perto do que tudo realmente é no infinito no qual estamos incluídos. Ah! Agora sim faz sentido! A verdadeira, libertadora e doce ignorância do conhecimento!


(pra quem não sabe inglês, esse vídeo tem legenda em português-BR pra ativar nos "detalhes")

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Beethoven : Patética

Conversando com a Marina Aoki Elias, uma grande amiga que também gosta de música clássica, falamos do Beethoven. Ele é o artista "do ano" na temporada do Theatro Municipal de São Paulo. Não teve jeito, cheguei em casa e mergulhei na música desse gênio. Beethoven gostava muito de sonatas, foi um dos maiores sonatistas da música mundial. Só pra Piano ele escreveu 32. A mais famosa talvez seja a inconfundível "Sonata ao Luar", que estremesse o coração dos tristonhos. Mas, a mim, me toca mais a "Patética", principalmente o seu segundo movimento (no 9:46 do vídeo) tenho até um poema que foi escrito com ele tocando em loop interminável de fundo.

Sem mais blablabla, temos aqui o mestre Daniel Baremboim, dando um show ao piano, executando os 3 movimentos da Patética de Beethoven. Agora, abrace aquele livro, deixe o computador de lado e só ouça essa maravilha.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Debusy : Suite Bergamasque

É famoso o Terceiro Movimento (Clair de Lune, que vc pode conferir lá no 9:25 do vídeo), mas a íntegra da Suite Bergamasque do Claude Debusy é um calmante sonoro em meio a tanta folia obrigatória e carnaval invasivo. Apesar do risco de viciar, ele é bem menor que dos calmantes farmacológicos.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Cadê o tempo que estava aqui?



Sequer deixamos o mês de Janeiro e meus ouvidos já colecionam, nesses poucos dias de fevereiro um bom número de frases no estilo : "Nossa, já é Fevereiro!"; "Uau! Passou um mês que eu nem vi!"; "Os últimos anos estão passando voando!"; e coisas do gênero. Lembro-me como se fosse ontem de que, há alguns anos atrás – sentimento cada vez mais verdadeiro –, esse tipo de comentário era feito em dezembro, o famoso "Nossa! Já é Natal!", ou, os mais atentos ao calendário davam esse toque, também, no meio do ano. Assustei-me ao identificar essa pauta já em Fevereiro, o segundo mês do ano. Estamos realmente impacientes, sequer demos chance do ano cravar ritmo à sua marcha e já o jugamos acelerado.

Não sei se é apenas aqui em casa e nos lugares os quais frequento, mas os relógios continuam contando, segundo a segundo, hora a hora as 24 que formam o dia. E por incrível que pareça, a terra continua correspondendo as expectativas, demorando essas mesmas 24 horas pra girar em torno de si mesma. E o Sol, há 149.600.000 Km daqui, se pudesse falar, seria testemunha do que eu digo e acrescentaria que, mesmo distante, ainda observa nosso planeta demorando 365 dias, 5 horas e 48 minutos para rodeá-lo, o que é comprovado pelos 365 dias riscados, um a um, nos meus calendários.

Se as nossas referências naturais de marcação do tempo continuam funcionando na mesma cadência de sempre, podemos concluir que é, então, mentira cabeluda dizer que o tempo está passando muito rápido. E não sendo o tempo o vilão, só nos resta um outro vilão a apontar: nós, os únicos elementos antinaturais de todo o Universo.

Desconectados da cadência do Cosmos, nada mais parece nos afetar. Se não houver nevascas monstruosas ou calor infernal, não nos afetam sequer as estações do ano, grandes marcadoras da passagem do tempo. Com as luzes sempre acesas, o que inclui a tela do smartphone, sequer percebemos se é manhã, tarde ou noite, além de não fazer diferença onde estamos, pois interagimos, em tempo real, com qualquer um que se encontre em qualquer lugar do mundo. Não sabemos mais esperar.

No tempo em que a velocidade máxima nas rodovias era de 80km/h; quando ainda tínhamos paciência para escrever cartas – com rascunho passado a limpo – e as esperávamos cruzarem continentes tanto pra ir quanto para voltar a resposta; quando aguardávamos a fruta amadurecer, o amigo estar em casa para atender ao telefone, a criança crescer e usufruíamos do já quase extinto horário de almoço, o tempo rendia mais, a vida rendia mais, mesmo com tudo demorando mais pra acontecer.

Lutamos tanto contra a rotina, que hoje nem a temos mais. E, pelo jeito, é ela que ajuda a marcar a passagem do tempo, como aquele amigo que te dá um 'oi' sempre quando te vê, e isso te faz lembrar que ele passo por ali. Hoje estamos tão distantes da realidade, distraídos com nossos fones de ouvido que nunca silenciam, Smartphones e bate-papos online em qualquer folguinha que nem vemos o tempo, nosso amigo, nosso "mano velho" – como diria a Fernanda Takai –, passando e nos acenando, cada vez mais energicamente, à sua passagem.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Da Desilusão


"Só se desilude quem se ilude."


*Ouvi numa dessas palestras da vida. Não sei quem é o autor, mas não pude evitar o registro.