Nesta quarta-feira, dia 23, começou a Primavera e não resisti, coloquei o Vivaldi, na vitrola. Entre as suas "Quatro Estações", conjunto de quatro concertos que descrevem musicalmente, cada um, uma estação do ano, existe uma bela imagem musical da primavera.
Minha versão preferida destes concertos está no álbum Eight Seasons (Oito Estações), no qual também estão as Quatro Estações Portenhas, do mestre Astor Piazzolla. Excelente trabalho do violinista e maestro Gidon Kremer e sua orquestra de câmara, a Kremerata Báltica. Execução e sonoridade perfeitas.
Interessante perceber que tanto para Vivaldi do sec. XVIII, quanto para o Piazzolla do sec. XX, cada estação desperta o mesmo tipo de sentimentos, muito bem musicados, inclusive. Talvez por causa da universalidade dos sistemas da natureza, da invariabilidade dos ciclos naturais e essas coisas que a ciência sempre observou. Ora, se fazemos parte do mesmo sistema universal, a primavera, o verão, o outono e o inverno seriam, para a natureza, o mesmo que o nascer, crescer, envelhecer e morrer são para nós humanos. Foi assim que cheguei nas outras 4 estações, que completam as 12 do título: as quatro estações humanas.
Se a vida começa na fecundação, a primavera é a mãe fecunda, espalhando a vida. É gestação e nascimento. Quando os brotos se tornam flor e mostram suas cores ao mundo, prontos para os primeiros passos da jornada. É a infância de tudo, é vida nova pulsando alegre em todo canto, crescendo para enfrentar a próxima estação.
O verão, tempo pleno de energia, quando o sol e a vida estão em sua potência máxima. É juventude, aprendizado, luta e sobrevivência em meio a tanta abundância de sentidos e caminhos. Tudo brilha, tudo chama urgentemente, inclusive a irresponsabilidade.
Não tarda vir outono, quando a beleza é sutil. As folhas, adornos, agora secas e enrugadas, caem. A energia não é mais tanta, as cores e sabores não são mais tantos. É preciso saber escolher e economizar, é preciso ser maduro e ponderado, adulto. Hora de acertar as contas e perceber que o ciclo está perto do fim.
Chega o inverno com as noites mais longas e os dias mais frios. Menos luz, já não resta mais tanta vida, os frutos há muito já se desprenderam dos galhos, espalhando as sementes e a herança. Que germinem em terra boa para que a linhagem prossiga. Em breve, apenas lembrança da potência que existiu, galhos secos, nossos ossos.
Mas no ciclo infinito das estações também está a mensagem de esperança da Universo: se tudo é feito pra renascer, e em cada novo ciclo, a vida retorna à dança com a Primavera. Renasçamos com ela! Se o ciclo dos dias que, como as estações, vai da manhã das possibilidades à noite da exaustão, podemos renascer diariamente. Se o cosmos do qual fazemos parte permite tantas “mortes” e “vidas”, certamente nos cabem as mesmas oportunidades de renovação. Só é preciso que queiramos, que nos religuemos à essência universal e nos façamos melhores em cada renascer.
Aproveite para ouvir :
As Quatro Estações Portenhas, de Astor Piazzolla
(versão do álbum Eight Seasons, de Gidon Kremer e Kremerata Baltica)
(versão do álbum Eight Seasons, de Gidon Kremer e Kremerata Baltica)
As Quatro Estações, de Antonio Vivaldi
(não é a versão do Gidon Kremer, mas tá bonita também)