domingo, 27 de março de 2016

Wagner : Parcifal, Prelude (Vorspiel)

Foi um belo amanhecer da Sexta-Feira Santa de 1857 que decantou, da genialidade de Richard Wagner, finalmente, as primeiras anotações da ópera Parsifal, na qual já vinha pensando há alguns anos. Terminada 25 anos depois, esta foi a sua última ópera completa.

Numa ambientação medieval, como era de costume, Wagner conjuga temas cristãos como auto-renúncia, reencarnação e compaixão e símbolos como o Santo Graal e a lança que Longino, um soldado romano, usou para ferir o Cristo na cruz.

Bastante longa, solene e densa, a ópera causou, e ainda causa, grande emoção quando é assistida ou ouvida. E é preciso perseverança para completar essa missão nas quase 4 horas de duração da peça. À época do lançamento, em 1882, o filósofo Nietzsche, como de praxe, reclamou do conteúdo moral cristão; mas outros gênios, como Debussy e Mahler, mais sensíveis à mensagem, se manifestaram entorpecidos pelos belos sentimentos que a obra despertara em suas almas. Ouça e escolha o seu lado.

Para compreender conjugação entre leveza e densidade desta obra prima Wagneriana, aqui vai a minha parte preferida do Parsifal: o Prelúdio, lindamente executado pela Orquestra Sinfônica da Radio Frankfurt, dirigida pelo maestro Jérémie Rhorer.






Se quiser assistir a ópera toda, aqui vai uma versão legendada em inglês:





sexta-feira, 25 de março de 2016

Libertação

Após milênios de experiência humana, todos concordam que precisamos nos libertar dos grilhões que nos prendem a uma vida de sofrimento e frustrações. Características tão humanas como o orgulho, a vaidade, os vícios, o materialismo exagerado sempre foram chamadas ao expurgo, no difícil sacrifício de si mesmo, em nome do qual conquistaríamos a verdadeira paz interior, e uma vida exterior mais tranquila e leve, através do tal religare, palavra latina, origem do termo Religião, que significa religamento. Com Deus, o Cosmo, a Natureza... você escolhe. Tal conceito também está no Budismo, em outras religiosidades e demais áreas do pensamento humano, desde sempre, muito antes dos filósofos, cientistas, psicanalistas e tantos outros, já procurávamos essa conexão.

Nos Vedas hindus, a literatura espiritual mais antiga da qual se tem notícias, já existia o convite ao sacrifício de elementos amados, mas que nos fazem mal. No poema épico Bhagavad Gita, o Príncipe Arjuna enfrenta uma batalha contra sua família, que tenta derrubá-lo do poder. Aconselhado por Krishna entende que seria impossível lutar contra tantos que ama e que fazem parte do que ele é, sem sofrer; mas os sacrifícios eram necessários para seu crescimento e paz interior. É fácil tomar a família de Arjuna como simbolo dos seus sentimentos, da sua pluralidade interior, contra a qual ele tem que lutar e domar para evoluir.

A Páscoa Hebraica remonta à noite na qual o povo hebreu é libertado da escravidão do Egito. Como muito do antigo testamento, a passagem é cheia de símbolos que também nos dizem : para deixar a vida sofrida de escravidão, muitas vezes devemos sacrificar o que amamos. Simbolo maior, o cordeiro que se sacrificava para a refeição, convivia durante alguns dias junto com a família que, inevitavelmente criava afeição pelo bichinho, assim seu sacrifício e consumo, era uma experiência dolorosa, já antevendo as dores que todos passariam para se libertarem da pior escravidão de todas, a escravidão de si mesmos.

A morte e a ressurreição de Jesus Cristo, ocorridas durante as festividades pascais hebraicas, motivam a Páscoa Cristã. Os mesmos símbolos, mas, desta vez, chamando a atenção para que o sacrifício passasse de exterior para interior, Jesus se coloca como o próprio cordeiro a ser sacrificado. Imagino que, após trinta e tantos anos de convívio, muitos também se afeiçoaram a Ele que sacrificou seu corpo machucado, quase desfigurado pelo ódio, vaidade e orgulho – dos outros – para conquistar um corpo renovado, mais próximo do divino. 

Jesus usou a Páscoa para reforçar um símbolo antigo e constante na humanidade: é inevitável evoluir, e evoluir é sacrificar-se. Mostrou na carne o que deveríamos fazer em espírito. Portanto, neste fim de semana, independente da confissão religiosa, ou não, que tenhamos, reflitamos sobre como sacrificar os velhos costumes, a velha vida de escravidão à qual estamos apegados. Pois, não é novidade, vai doer, mas só assim viveremos a tão sonhada paz dos verdadeiros libertos.

terça-feira, 22 de março de 2016

Dia Mundial da Poesia

Ontem, 21 de março, foi dia mundial da poesia. Procurando poesia por aí, encontrei esse projeto, o Toda Poesia, que me lembrou da possibilidade de encontrar, até em maior escala, poesia fora dos poemas. Na prosa, na música, até em tese científica e sociológica. 

Ver que poesia é algo maior, nos faz perceber-nos mergulhados nela. E já que estamos cercados, deixemo-la fluir!

sexta-feira, 18 de março de 2016

Não nos percamos de nós mesmos

Chegamos ao ápice de um processo histórico importante, pelo qual viemos passando nas últimas décadas: o desmonte de uma era onde o processo político era feito descolado da vontade popular. Toda mudança de paradigma social é delicada, lenta e dolorosa, e é natural que partidários de ideias contrárias se debatam e desse debate surja, inevitavelmente, uma síntese. É o tal do processo dialético (Tese+Antítese=Síntese) de Georg W. F. Hegel. Sim, é aquele mesmo Hegel que voltou à fama por um deslize intelectual há alguns dias atrás e, pelo que me parece, não por acaso. Então é necessário paciência e conhecimento pra um correto agir nesses tempos de euforia e ansiedade à flor da pele quando estamos formando a nossa síntese social.

Uma das minhas matérias preferidas durante a faculdade de Direito foi e, ainda é, a Ciência Política e Teoria Geral do Estado, na qual se estuda o processo de criação e validade de um Estado Nacional. Nesses tempos de convulsão social, de ladainhas pra lá, falatórios pra cá, sempre bem munidos da terminologia, mas quase nunca do conteúdo, me lembrei de um conceito muito importante, aprendido do livro "Teoria Geral do Estado", do Sahid Mauf : o conceito de Nação, “um conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais” .

Entendendo esse conceito fica fácil perceber como estamos sendo atacados e onde estão mirando aqueles que deveriam estar nos ajudando e protegendo, os chamados representantes do poder público, nome que não faz muito sentido quando os tais não estão, de forma alguma, usando o poder que o povo os cedeu para melhoria da coisa pública mas, pelo contrário, estão representando, claramente, os próprios e privados interesses. Usam da técnica de "dividir para conquistar" e, nos subjugando, permanecem intocáveis na sua majestade. Há anos estão nos separando por etnia, religião, costumes e posição política, e já estão conseguindo. Só falta nos fazerem esquecer o nosso maior ideal comum que é "um país melhor, um lugar bom de se viver, para nós e nossos descendentes". Mas isso não podemos permitir, é preciso ficar atento, permanecermos fortes e unidos como povo, honestos e respeitosos uns com os outros. Conforme indicam os acontecimentos, qualquer bandeira partidária que se levante hoje em dia, é bandeira criminosa. Não há heróis, exceto nós mesmos, e nossos super-poderes são o amor e o bom-senso que, não duvide, todos nós temos, sim, mesmo que em quantidades diferentes.

Estão nos vendendo uma gerra particular pelo poder como se fosse uma campanha por um país melhor. Não caiamos nesta armadilha. Acatarmos irresponsavelmente os discursos fatalistas e viciados que nos oferecem é assinar sentença de subjugação e morte do sonho Brasileiro. Deixemos de lado as ideologias políticas que só nos separam, e nos apeguemos às poucas coisas que nos restaram em comum, o verdadeiro ideal que nos une, por esses mais de 500 anos, entre o Caburaí e o Chuí : fazer desse pedaço de chão um lugar de vida digna para todos, sem exceção.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Um apelo

São noites a esperar-te. Espero-te, fiel e infinitamente, pois sei que não vens se não quiseres e minha autoridade não te alcança de onde vens. Reconheço, às vezes deslizo e, impaciente, coloco-me a procurar-te. De nada adianta, é claro, é preciso esperar-te. Largo-me a observar os cantos vazios. Os da casa e os meus, que são tantos. Não, não me sinto só, jamais me senti. Pelo contrário, há fantasmas que não se calam; há vozes interiores; há pessoas, e se parecem tão vivas lá fora que não me deixam esquecer : não se trata apenas de mim, não se trata apenas de você; e, bem mais grave, não se trata apenas de mim e você.

Quando chegas, pisando leve, ofereço-te um sorriso e me respondes, semi-silente, um novo código para que eu decifre, ou me devoras. Lutamos madrugada afora, exploro o que me ofereces e sei que, traiçoeira, sempre escondes algo mais. Há armadilhas, há desencanto, há o capricho e o cuidado, e não há aurora que, apontando lá fora, nos arranque de nós.

E se nunca mais vieres? E se nunca mais nasceres em mim, como nascem as angustias e os medos e as saudades? Que desespero... sem você em contraponto é certo, tornar-me-ia apenas angustias, medos e saudades... e nada, nada mais. Quem me traria de volta ao prumo, me daria o necessário norte, me acompanharia até a morte? Ah, é mais do que certo! Coisificaria-me, imóvel e insensível, fim. Que desespero... que disparate...

Mas não me prives de ti. Aceita-me, sinceramente. Aceita-me. Não me prives de ti. Venha, sempre, mesmo que ininteligível, desconexa, em língua desconhecida. Venha antiquada, avant-garde ou pós-moderna. Venha, mesmo que eu não te compreenda tão bem, como hoje. Não me evite por isso, não fique nervosa. Sonhei-te poesia, mas encontrei-te prosa.

Por dias melhores


— Um bom dia.

Mal terminou a frase e foi metralhado. Ouviu sobre a vida difícil; o mundo medonho; os podres poderes; os direitos humanos; sobre a vida; sobre a morte e, por fim, sobre a insensibilidade de, em meio a tanto terror, alguém ter o desplante de desejar um bom dia.

Sorrindo, respondeu que eram por esses mesmos motivos os desejos de que, pelo menos hoje, o dia fosse bom.

— Um bom dia.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Ketèlbey : Bells Across the Meadows




Albert William Ketèlbey me lembra a infância. Meu pai sempre ouvia aquele LP de capa exótica, com um mercador oferecendo flores a um monge, enquanto estudava, à noite, após um dia de trabalho. Inclusive, dias desses me surpreendi fazendo o mesmo: estudando e ouvindo Ketèlbey, um grande flashback. E foi assim, ainda pequeno, através do meu pai, que ouvi pela primeira vez sobre como um compositor pode descrever uma cena, um cenário, através de uma música.

Com o Ketèlbey foi fácil de entender, ele é muito bom em cenas musicais. Tão bom ele era, que foi o primeiro músico britânico a ficar milionário através da música, principalmente através desses pequenos temas chamados de "light orchestral music", nos quais ele era especialista. O tema musical "Bells Across the Meadows" (pra ouvir aí embaixo) foi eleito pelos ingleses, em 2003, como a 36ª música mais memorável de todos os tempos.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Em caso de incêndio



"When your heart is on fire, you must realise, smoke gets in your eyes." - HARBACH, Otto.


Smoke Gets In Your Eyes é o nome de uma bela canção do The Platters, antigo grupo vocal norte-americano, cuja letra ensina a perceber se é amor ou é cilada dizendo que "quando nossos corações estão em chamas, preste atenção, a fumaça chega aos olhos". Parte da trilha sonora do filme Além da Eternidade (Always, 1989), ela é o tema de amor do casal protagonista, dois brigadistas aéreos da equipe anti-incêndio que toma conta de uma floresta. Peculiar, não é?

É claro que, como uma boa equipe anti-incêndios, a qualquer sinal de fumaça – não nos olhos, mas na floresta –, eles arriscam a vida e, com muita coragem e aventura, conseguem apagar os incêndios. Nada mais lógico pra quem foi exaustivamente treinado pra isso. Pra nós, que nunca quisemos ser Bombeiros, combater incêndios e salvar vidas, é uma luta bastante distante. 

Então vamos trazer isso mais pra perto. O que fazer no caso de um incêndio em nossa casa, local de trabalho, ou lugar no qual estivéssemos? Seguir as regras do protocolo anti-incêndio! Se for de grandes proporções, chamaríamos os Bombeiros e nos manteríamos em segurança; em casos de pequenas chamas é possível ajudar no pré-combate usando extintores de incêndio ou, pelo menos, retirando de perto do fogo objetos e seres vivos que nos são preciosos e que possam alimentar o incêndio, até que o socorro capacitado chegue. Agora, a missão já fica mais próxima de nós, não é mesmo?

Então, ouça o alarme. Olhe ao lado e veja por si mesmo: discussões inflamadas, relações faiscantes, cabeças quentes... e a fogueira das vaidades flamejante como nunca; milhares de homens e mulheres bomba, dizendo "que se exploda". Há um grande incêndio no mundo, nossos corações estão em chamas há fumaça nos olhos mas, infelizmente, não é pelo amor, como diz a canção dos Platters.

Queimar o filme dos desafetos, jogar o outro na fogueira, são expressões e atitudes ainda muito comuns entre nós, lembrando um costume do Sec. XVII quando, sem muitas opções de entretenimentos, as famílias – notem bem : fa-mí-li-as – amarravam um gato dentro de um saco e o jogavam na fogueira pra se divertirem vendo-o queimar e grunhir de dor. Pelo menos, com os gatos, fazemos cada vez menos desse tipo de coisa.

Ora, se o mundo está em chamas, que tal seguirmos as instruções de "em caso de incêndio", ajudando para que o estrago seja o menor possível? Estar atento para apagar incêndios nos amigos; vizinhos; família e em nós mesmos pode não ser nossa profissão, mas é um dever. Não há solução mais lógica e responsável pra quem está cercado por fogo de todos os lados que não seja esforçar-se para apagá-lo. Muitos, ainda hipnotizados pelas chamas, agindo como agíamos nas cavernas, irão repreender e atrapalhar para preservar o espetáculo.

Ignorar as chamas só aumenta o risco de nos queimarmos. Ao menos, chamemos os Bombeiros! E trabalhemos para a que fumaça em nossos olhos volte a ser apenas indício de amor, como diz aquela velha canção.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Leoncavallo : Pagliacci, Intermezzo

O intermezzo da Ópera "Pagliacci" de Ruggero Leoncavallo (minha ópera favorita, inclusive) é, sem dúvidas, umas das peças musicais mais belas que já ouvi. Ele é tocado no intervalo (intermezzo, em português) do primeiro para o segundo ato da ópera e consegue, ao mesmo tempo que emociona pela música, captar e sintetizar tudo o que aconteceu e sugerir o que acontecerá nas próximas cenas da trágica história do Palhaço que, mesmo com o coração partido pela Colombina, deve subir no palco e fazer o público rir. Mas, Leoncavallo alerta: o perdão não é tão fácil assim; e o orgulho, esse veneno que destilamos todos os dias, pode nos transformar em monstros ferozes. Cuidado!





Pra quem não conhece e quiser assistir à ópera inteira, tem essa versão dirigida pelo Franco Zeffirelli, com Placido Domingo e Teresa Stratas. A regência da orquestra é do Georges Petre que, inclusive, conquistou meu coração nessa super emotiva regência do já comentado Intermezzo: