sexta-feira, 6 de maio de 2016

Desencontro : Primeiro Ato

Uma crônica em dois atos.
(podem ser lidas simultaneamente)


Primeiro Ato: O Homem

Pontualmente, como em todos os dias, ele entra na padaria. Enquanto se aproxima do balcão, seus olhos ansiosos vasculham cada rosto para encontrá-la. Assim que se acomoda em um dos bancos, voilà! Sua atendente preferida salta diante dele, linda como sempre, e diz:

– Olá, senhor Álvaro! Como vai?

Instantaneamente, acolhendo uma das mãos da jovem balconista entre as suas, responde:

– Olá, Regina! Vou muito bem, obrigado, mas quantas vezes terei que insistir? “Senhor” é aquele nosso amigo lá no céu. (tô perdido mesmo...) Por favor, apenas Álvaro. E pelo o que vejo você está ótima (e linda de morrer) como sempre! – completa com um sorriso, prontamente correspondido pela moça.
– Tudo bem sim, “Álvaro”. – responde ela recitando molengamente seu nome enquanto se debruça no balcão e se aproxima – em que posso lhe ser útil hoje?
– Adivinha?! (hum... esse perfume...que tal um beijo?... isso sim seria muito útil!).

Se entreolham e:

– Me vê aquele café! – dizem ao mesmo tempo.
– É pra já! – diz a moça.
– Ah! E não se esqueça de, depois de vê-lo, trazer uma xícara cheia dele pra mim, heim! (mas que piada idiota! Como eu sou idiota!).

Ela se afasta e vai cuidar do pedido. “Que doce de garota", ele pensa com seus botões. Mas, em segundos, pensamentos amargos do cotidianos invadem sua mente e a divagação vai longe. O que só é interrompido com a voz de Regina:

– Está aqui seu café, Álvaro.
– Ah! Obrigado, meu anjo! Muito obrigado mesmo.
– Precisa de mais alguma coisa?
– Não, (só de você, um quarto, um canto qualquer que seja, uma noite...) obrigado. Vou seguir a tradição e ficar só com o café (mas, um dia, fico é com você).
– Álvaro, você me dá licença, hoje o movimento está grande e vai ser difícil da gente conversar como de costume.
– Claro, fique à vontade!

Enquanto no balcão, ele não tira os olhos da atendente e, por algumas vezes, seus olhares se encontram, como que brincando de esconde-esconde. Ao terminar seu ritual do café, ele se despede, envolvendo novamente a mão de Regina entre as suas, com muita delicadeza.

– Bom... é... (ai meu Deus, falo ou não falo?) - ...o café estava ótimo, e mesmo se não estivesse, o que é impossível, já teria valido a pena só pela sua companhia.
– Que é isso, senh...digo, Álvaro! Conversar com você sempre me deixa muito feliz.
– Que bom! (por que diabos não te encontro fora daqui?) Mas tenho que ir (você deve ser mais linda ainda sem esse uniforme). Nos veremos amanhã então, como sempre (droga...).
– Ótimo! Nos veremos amanhã, até lá – responde com um leve sorriso.

Álvaro solta a mão de Regina, desalinha seu olhar com o dela e se dirige até a porta, de onde dá um último aceno de mão, assistindo à moça desaparecendo por detrás da parede e da distância que agora os separa. Enquanto caminha, puxa a carteira do bolso de seu paletó, da qual tira um guardanapo carinhosamente dobrado no qual se lê um número de telefone. “Um dia desses ainda ligo pra ela”, pensa consigo “Que mulher incrível! Mas o que ela iria querer comigo, esse velhaco? É... uma pena”.


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