sexta-feira, 6 de maio de 2016

Desencontro : Segundo Ato

Uma crônica em dois atos.
(podem ser lidas simultaneamente)


Segundo Ato: A Mulher

Pontualmente, como em todos os dias, ela respira fundo e olha para o relógio. “Faltam dez minutos” pensa, e prontamente se dirige ao banheiro para retocar o visual. Logo que sai, seus olhos ansiosos vasculham cada rosto da panificadora. Assim que mira a porta o vê entrar. Assiste seu cliente preferido se acomodando em um dos bancos do balcão, enquanto se aproxima sorrateiramente e, sorrindo, diz:

– Olá, senhor Álvaro! Como vai?

Instantaneamente após a saudação sente sua jovem mão ser acolhida entre as mãos altivas do moço, que com seus mais-do-que-quarenta de idade lhe trazem segurança e causam um calafrio estranho.

– Olá, Simone! Vou muito bem, obrigado, mas quantas vezes terei que insistir? “Senhor” é aquele nosso amigo lá no céu. Por favor, apenas Álvaro. E pelo que vejo você está ótima como sempre! – completa, mostrando um riso maroto, prontamente correspondido pela moça.
– Tudo bem sim, “Álvaro”. – responde ela recitando molengamente o nome do cliente enquanto se debruça no balcão e se aproxima – (isso... o perfume...) em que posso lhe ser útil hoje?
– Adivinha?!

Os dois se olham e:

– Me vê aquele café! – dizem ao mesmo tempo.
– Pois não, só um minutinho! – diz a moça. (hunf, café! Será o Benedito que ele não vai se tocar?).
– Ah! E não se esqueça de depois de vê-lo, me trazer uma xícara cheia dele, heim! – Álvaro ri e deixa entrever um sorriso amarelo.

Simone se afasta para atender ao pedido de seu cliente. “Que piada idiota! Mas ele é tão gracinha... uma doce.”, pensa ela com seus botões. Vai até a máquina de expresso, faz o café pensando em mil coisas, se perde entre pensamentos cotidianos e fantasias de amor. Assim que o pedido fica pronto, retorna até Álvaro e diz:

– Está aqui seu café, Álvaro.
– Ah! Obrigado, meu anjo! Muito obrigado mesmo.
– Precisa de mais alguma coisa? (uma namorada, esposa, amante, que seja eu de preferência...).
– Não, obrigado. Vou seguir a tradição e ficar só com o café.
– Álvaro, (só o café, é?) você me dá licença, hoje o movimento está grande (um dia eu te ganho e você vai ver só!) e vai ser difícil da gente conversar como de costume.
– Fique á vontade!

Durante o tempo em que o rapaz permanece na panificadora, Simone não perde os pequenos intervalos entre um atendimento e outro para olhá-lo. Por algumas vezes seus olhares se encontram, como que brincando de esconde-esconde.

Simone estava concentrada terminando de servir um milk-shake quando ouve a seu nome ser chamado. Era Álvaro, ele queria se despedir. A moça achegou-se bem próximo do cliente que imediatamente apanhou sua mão e, novamente, a envolveu entre as suas com extrema delicadeza.

- Bom...- dois segundos de silêncio, o rapaz inspira ar para os pulmões - ...o café estava ótimo, e mesmo se não estivesse, o que é impossível, já teria valido à pena só pela sua companhia.
- Que é isso, Senh...(ái!) digo, Álvaro! Conversar com você sempre me deixa muito feliz (mas você não dá bola pra mim e isso me deprime...).
- Maravilha, que bom ouvir isso! Mas tenho que ir. Nos veremos amanhã então, como sempre.
- Ótimo! Nos veremos amanhã, até lá (tsk, tsk, tsk...).

Álvaro solta a mão de Simone, desalinha seu olhar com o dela e se dirige até a porta enquanto ela fica detrás do balcão, assistindo ele desaparecer por trás dá parede. O último gesto do rapaz foi o início de um aceno de mão.

Voltando ao batente a moça pensa consigo: “Um dia desses ainda ligo pra ele... mas porque ele não me liga? Ele é tão meigo, mas tão lento! Pensando bem, o que ela iria querer comigo? Uma balconista de padaria vinte anos mais nova... Uma pena. Peraí, ele não pagou o café!”.


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