sexta-feira, 10 de junho de 2016

Ouvindo estrelas

Via Láctea - Soneto XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".


Este soneto, do Olavo Bilac (1865-1918), herdei da primeira namorada. Poderia ter sido das provas de poesia do colégio Alfa, lá em Umuarama, quando a professora Eny nos dava notas por decorar e declamar poemas na frente da sala. Lembro-me claramente das inúmeras vezes que ouvi estes versos sem arrepio qualquer. Sequer pensei em declamá-la, também. Mas foi ouvir, da primeira namorada, que essa era sua poesia preferida para que, imediatamente, me colocasse a decorá-la para poder declamá-la em qualquer situação que permitisse. O amor deixa a gente assim mesmo, tresloucado, como diz o poema, principalmente o amor primeiro, juvenil e explosivo.

O Soneto XIII, intitulado Via Láctea, também é conhecido como “Ouvir Estrelas”. Foi publicado, pela primeira vez, no livro "Poesias", o primeiro de Olavo Bilac, lançado quando ele tinha 23 anos de idade. Bilac, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, é considerado um dos expoentes do Parnasianismo, movimento poético que se preocupava mais com a forma e a objetividade do que com a parte subjetiva de um poema, mesmo tendo, grande parte de seus poemas, uma alta incidência de subjetivismo. Parnasiano na forma e romântico no conteúdo, uma mistura muito acertada.

Às vezes, penso que este soneto seja "o pequeno príncipe dos poemas", que quase todo mundo encontra cedo na vida e, alguns mais sensibilizados, o acolhem por motivos muitos. E, assim como a fábula de Saint-Exupéry, ele tem imagens tão bem construídas que, até mesmo uma interpretação superficial, quase literal, é agradável. Receita óbvia pra alguns, enigmático para outros – como todo bom poema – o Via Láctea descreve a imagem com bastante clareza, desenha o simbolo em detalhes, mas deixa uma interpretação ampla quem o lê.

Até hoje, ao olhar as estrelas no céu noturno, ou procurar por elas durante o dia – no sentido literal ou figurado –, ouço, lá do fundo da alma, o cético a me chamar de "tresloucado amigo", mas o poeta que ali também está, sempre mais sensível, logo rebate, com toda a razão e certeza do universo: "só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas".

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