sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Quando vens


Visita-me, sempre tarde da noite, e me despertas do sono tranquilo para que eu admire tuas formas. Vaidosa. E a silhueta à meia luz se aconcreta em corpo, textura, cheiro e sabor. Serve-te de mim sem pejo! E como se fosse fina fazenda de cetim, embrulha-me por inteiro. Toca-me o peito, os ombros e o rosto; toca-me as narinas, as orelhas e os lábios; toca-me o ventre, as coxas e o sexo. Toca-me... toca-me...

E sorris! Ah, e como sorris! Uma imensidão! Feito o amor que evocas sempre quando vens. E se não vens, é com a saudade que o amor se enlaça e me lança num holocausto de mim mesmo, em teu favor. Clamo-te! Amo-te! Não durmo para acolher-te; traduzir-te; compreender-te as minúcias, até as entranhas; bem dizer-te, enfim.

Bendita! Por que me vens assim irresistível? Por que ecoas em mim feito a própria vida que, ao ver-te partir, contigo também se vai? Por quê? Bendita!

É porque te engano. Engano-te, bendita! Mesmo vitoriosa na peleja de nossas peles, não me tens domado, e tu bem sabes. Engana-te, bendita! Quem te doma sou eu. Pois é meu este ofício, quase heresia. Sou Poeta! Minha vida é fazer-te Poesia!

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Pelo amor à vida

*texto para o setembro amarelo, campanha mundial de prevenção ao suicídio.


É muito comum alguma melancolia na vida, é natural. Se não o fosse, não a sentiríamos. Mas é importante estar atento quando um quadro de melancolia atravessa as fronteiras da normalidade e se transforma em uma tristeza constante, viciante, paralisante.

Exitem muitas causas para as tristezas que nos levam a vários estados psicológicos mais extremos e perigosos como a depressão, nos quais a vida, que já não é fácil, fica exponencialmente mais difícil e pesada, ainda mais num mundo onde todos os paradigmas são materialistas. 

Não aceitar-se fisicamente; frustrações pessoais ou sociais; acúmulo de remorsos e culpas por atitudes impensadas e seus desdobramentos ruins; quando nada mais faz sentido; quando acabam-se todas as esperanças de que, através de um próximo passo, de um movimento seguinte da vida, as coisas vão começar a melhorar. Quando não resta mais força para resistir e continuar ou a esperança de receber qualquer tipo de auxílio exterior, nos sentimos marginais e inúteis. Desencadeamos, assim, processos de auto-punição consciente ou inconsciente; o auto-boicote e a falta amor e de cuidado conosco mesmos.

A consequência deste estado de lástimas e desespero pode ser o simples isolamento e o silêncio ou algo mais drástico como o desistir da própria vida, praticando o suicídio voluntário e imediato ou, ainda, uma outra forma de suicídio, inconsciente, a longo prazo: os vícios químicos e psicológicos que nos intoxicam e desgastam o corpo até que se acabem as possibilidades dele permanecer vivo.

Ou seja, resultado de diversos fatores e processos que culminam na perda do amor e da confiança em si mesmo, suicidar-se é um ato de desespero, mas que pode ser evitado. Conforme a OMS, mais de 90% dos suicídios poderiam ser evitados se fossemos mais atentos aos sintomas e cuidadosos no tratamento. Por isso é importante pedir ajuda e ajudar-se, sem medo de julgamentos.

Por isso, entender-se merecedor de ajuda é fundamental. O Perdão e o Autoperdão são remédios que combatem diretamente os mal-estares que criamos conosco e com os outros. Com eles, os rancores, os ódios, as tristezas e o sentir-se desconectado e marginalizado da sociedade são afastados, pois se entende que todo mundo é tão imperfeito quanto nós mesmos, e é muito normal falhar, não atingir o nível de perfeição que se sonhava.

Erramos ontem, erramos hoje e erraremos amanhã. A paciência com nossas próprias limitações é exercício de humildade, que pode melhorar nosso nível de paciência com as limitações dos outros que convivem conosco. Perdoar-se é entender-se humano, falível. Perdoar o outro é entendê-lo humano e falível também.

Assim, nos entendendo, nos amamos com mais facilidade. E, participando desse amor que nos exime da culpa, damos uma nova chance para, uma outra vez, mais fortes, humildes e pacientes vivenciar todas as experiências e oportunidades que a vida nos trará para fazermos, de cada dia, um dia melhor. E nunca mais restará dúvidas de que a vida sempre vale a pena, sempre.


Mais sobre isso:




sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Amor de pai


Ao voltar pra casa, de ônibus, sentei-me ao lado de um senhor que estava ao telefone. Tão próximos que foi impossível não ouvir a conversa que ele estava tendo com alguém que, pelo contexto deveria ser a sua filha.

- Olha, tá muito difícil pra mim. Tá muito pesado. Não estou conseguindo bancar essas compras que vocês me pedem. As coisa estão caras no mercado. Acho que a gente precisa rever essa lista. Eu sei... eu sei que vocês precisam comer, mas, poxa, certeza que vocês estão comendo melhor do que eu! Eu estou comprando, pra vocês, coisas que eu nem tenho na minha casa. Sabe, eu quero dar do bom e do melhor pra vocês, mas tá ficando difícil. As coisas estão difíceis, o dinheiro tá curto. Acho que vocês tinham que economizar um pouco mais, fazer render melhor o que vocês tem aí. Você tá me entendendo? Não precisa comer essa carne toda, todo dia. É, eu sei... claro... eu sei, vocês estão se esforçando também, eu sei. Mas, você me entende? Tem que reforçar isso aí, tá? Evitar desperdício, essas coisas. Sim, tudo bem. Tô, eu tô bem, só preocupado com isso aí, não tá fácil, né? Hum... e ele tá bem? Tá faltando alguma coisa? Uhum... leite em pó. Tá. Tá bom, eu levo o leite em pó. Tá, vou ver o que eu faço, eu dou um jeito, eu levo o leite em pó.

Cheguei ao meu ponto, desci. E levei comigo um nó na garganta.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Soneto ao amor ausente


Deito-me na tua ausência da minha cama
Transito na tua ausência da minha casa
Vivo nu sem tua pele, que eu vestia
Toda manhã, na presença consumada

Se teus olhos são ausentes, vejo nada!
E anoiteço, sem estrelas, toda noite
O silêncio das canções se faz açoite
Pois é ausente a tua boca enamorada...

É tamanha ausência tua na cidade
Que ela mesma clama, à mim, tua presença!
E, abraçados, nos consola o fim de tarde:

"Em verdade, nada nunca está ausente
Sempre fica um pouco da gente nas coisas
Sempre fica um pouco das coisas na gente"


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O próximo passo


Agora eu preciso que você vá
Caminhe segura e distante
Me deixe vazio, mas só
Temos muita vida adiante

Dói deixar partir
Transformar tesouro em passado
Mas precisamos novamente sorrir
E não o faremos lado a lado


O poema acima é um poema de amor, fiz em 1997. Mas, hoje, ele me soou diferente, se encaixou com sentimento de hoje, com o adeus, de certa forma doloroso, mas necessário que damos à Dilma Rousseff que, acorrentada à um presidencialismo de coalizão, uma horripilante invenção brasileira, e a um partido político desestruturado, não governava mais. E não governaria, independente dos esforços que fizesse, tendo em vista o ninho de víboras ancestral do qual estava cercada e que, juntamente com todos nós, também ajudou a alimentar. Infelizmente, mas de forma que se construiu inevitável, são tais víboras que voltam ao poder.

É pressuposto que um presidente consiga governar, assim como é pressuposto para um romance, que se consiga amar e, mesmo com as maiores dificuldades e desafios, os interessados no sucesso da empreitada, se esforcem para o seu sucesso. Infelizmente, não me lembro de ter visto isso em nenhum momento na história de qualquer governo brasileiro. O jogo sempre foi conquistar mais para si, em detrimento do outro, seja este o povo ou a coligação "inimiga". E não há relacionamento duradouro quando uma das partes quer levar a vantagem.

As máscaras caem, inevitavelmente, e todas elas cairão. E com elas, as expectativas criadas, os projetos articulados, o futuro que estava em construção vai por terra. É por isso que se termina, é por isso que qualquer fim dói.

Dilma não foi a primeira e não será a última, é tradição nacional trocar de chefe de estado de forma inconsequente e irresponsável, para assistir interesses particulares. Desde a nomeação de Dom Pedro II, um jovem de 14 anos de idade como Imperador do Brasil isso vem se repetindo através de golpes e complôs.

Mas é possível acabar com essa dança das cadeiras desgovernada. Começando agora, que o debate político está em todas as casas, pode demorar algumas décadas, mas é possível retomar as nossas responsabilidades, as rédeas das nossas instituições e restaurar a sua legitimidade e sua conexão com a vontade popular, o que hoje, definitivamente não existe.

Por agora, não tenhamos medo, o futuro próximo não será nenhum pouco diferente do que sempre vivemos, afinal são os mesmos governantes, nada mudou. O tempo provou que a "chance de mudança" oferecida era falsa. Sejamos mais atentos da próxima vez. Aproveitemos a chance de amadurecer politicamente que estamos tendo, aproveitemos para aguçar o nosso faro, o nosso tato. Assim como acontece em todo fim de relacionamento, nos coloquemos sob análise sincera e façamos o mea culpa.

Definitivamente, não é tempo de choro, não é tempo de desespero, é tempo de darmos o próximo passo, um passo mais seguro, mesmo que um tanto doloroso, do que todos os passos que já demos até hoje.