sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Abençoados os ignorantes

Existe, na cultura popular, o ditado que diz ser, a ignorância, uma benção. Sempre achei um grande engodo, quase blasfêmia, um disparate propagar esse tipo de ideia. Imagino que tal conceito foi, certamente, criado por alguém muito esperto, que apresentou isso como uma verdade, mas com o escuso objetivo de manter-se no controle evitando o aumento de mentes questionadoras, que colocariam sua autoridade em risco.

Independente de quem e como essa ideia ganhou corpo e força, ela não resistiria tanto tempo no mundo se não existissem mentes que a acolhessem. Mentes preguiçosas ou covardes que preferem os cabrestos, os antolhos, que limitando o campo de visão e ação, deixariam a vida mais fácil, mais cômoda. É mais fácil ser guiado do que guiar dirão esses os partidários do saudoso carteiro Jaiminho, da Vila do Chaves, que vivia evitando a fadiga.

Do outro lado, temos Sócrates que, ao ser proclamado o homem mais sábio de toda a Grécia, concluiu que, se isso fosse a verdade, sua sabedoria só poderia vir da sua ignorância, respondendo ao título com um sonoro e sincero "Só sei que nada sei". E mais uma vez nos aparece a ideia da ignorância como algo bom.

Mas não podemos nos enganar, há aí uma armadilha conceitual entre as ignorâncias. Enquanto a ignorância de Sócrates vinha da humildade de, após muita reflexão e estudo, concluir nada saber por reconhecer-se mínimo frente ao infinito do conhecimento disponível no Universo; que cada nova resposta geraria uma nova pergunta, ad infinitum; a ignorância do homem comum vem da negação do conhecimento: por preguiça, fugindo do doloroso trabalho que é pensar; ou do orgulho, por achar que já sabe de tudo e nada mais precisa conhecer.

Essas duas ignorâncias são dois pontos opostos de um ciclo infinito que se inicia quando estamos humildemente ignorantes, como Sócrates, em busca de mais conhecimento, e atinge seu ápice quando dominamos o conhecimento. Entretanto, tendo em vista o infinito de coisas a conhecer que nos cerca, ao chegarmos ao ápice do ciclo, no pseudo-domínio do saber, é necessário perceber que há sempre muito mais a conhecer. Se não retomarmos a humildade e a percepção de que, apesar de tanto conhecimento já adquirido, existem muito mais coisas que desconhecemos do que coisas que conhecemos, estagnamo e, limitados, nos tornamos dogmáticos e arrogantes, brutos e interrompemos o processo de conhecer o universo, de evoluirmos, que deve ser continuo.

Então é verdade! A ignorância é, sim, uma benção! Quanto mais se sabe, menos se sabe, mais ignorantes nos tornamos. A ignorância pela preguiça ou medo de sofrimento, não traz paz alguma, apenas anestesia e, a longo prazo, inevitavelmente, trará as suas dores, multiplicadas, como uma ferida não tratada, que só vai aumentando e infeccionando mais e mais. É a ignorância pelo conhecimento a verdadeira ignorância abençoada do dito popular, é ela que nos faz humildes e nos dá a paz e a tranquilidade verdadeiras. 

Que bom, que benção é ser ignorante!

Um comentário:

Marina Vargas disse...

Adorei. Vou compartilhar. Bjos