sábado, 23 de setembro de 2017

Meias verdades, mentiras inteiras



“Eu sugiro a todos os meus amigos que eles parem de ver as notícias, porque as notícias tramam para te amedrontar, para te fazer sentir pequeno e solitário, para te fazer sentir que sua mente não é sua."


Este é o refrão da mais nova canção do Morrissey, Spent my day in bed, lançada neste dia 19 de setembro. E, afastando os exageros de qualquer teoria da conspiração sobre o assunto, ele tem razão. Não é novidade o poder de convencimento de uma informação chancelada pelos dos grandes veículos midiáticos que, culturalmente, durante nossa história social, foram eleitos como filtros válidos e eficientes de qualquer informação. Se está nas redes de TV, nos grandes periódicos ou nas rádios, é sinal de que o assunto é importante, é verdadeiro e merece nossa atenção. E eles sabem muito bem disso e se utilizam desse expediente para se beneficiarem.

E nós, descuidados que somos, acabamos reféns deste mundo editado e incompleto, onde existe a prevalência do mal em detrimento do bem. Onde há mais desastres e guerras do que belezas e atos de caridade. Sequer lembramos que a preferência pela veiculação destes fatos se dá pela grande audiência que eles geram, culpa de muitos gatilhos psicológicos e culturais nossos, que já são bastante conhecidos e utilizados contra nós. E é por isso que o refrão do Morrissey é um alerta e sugestão importante.

Entretanto, abster-se da informação não é o melhor método. Deveríamos aproveitar a polarização da produção de informação que a tecnologia das últimas décadas nos proporcionou, e começarmos a relativizar mais ainda esta chancela de veracidade e qualidade da informação, colocando em xeque o poder de manipulação da "grande mídia" e criando meios de averiguar a realidade acerca dos fatos divulgados. Entretanto, ainda existe uma grande maioria do mundo que não tem o acesso a essa nova via de informação ou, quando tem, tem a preguiça, ou não tem o costume de consultá-la. Não fomos educados para questionar e averiguar tudo o que ouvimos por nós mesmos, fomos acostumados a delegar essa nossa obrigação – dentre tantas outras – a o que, antigamente, chamávamos de "veículos oficiais" e, hoje são as redes sociais, de critério altamente questionável, nos levando a um fundo de poço escuríssimo, onde a verdade dos fatos é um mero adereço descartável, um lugar que muitos tem chamado de Pós-Verdade. Mas fico com os que chamam isso de retrocesso ou burrice, o que devemos combater com todas as forças.

Por isso, numa época em que todos podemos gerar informação de longo alcance, que nos escapa do controle, é importante relembrarmos da responsabilidade de quem fornece informação e pelas influências psíquicas que ela causa. E, também, não menos importante é a de quem recebe a informação, de como a interpreta e como a repassa. O desconforto e o conforto do mundo passa por nossas mãos e mentes, de uma forma bastante prática, através das redes sociais. Aquela notícia falsa, opinião equivocada, discursos de ódio ou preconceituosos, mesmo que pareçam inofensivos, não são, pois são replicados aos milhões e, nessa reiteração constante contribuem para o grande mal estar generalizado que se espalha pelo mundo, gerando desanimo, depressão e seus desdobamentos mais funestos. Uma mentira repetida mil vezes continua sendo uma mentira e a responsabilidade por todo o mal que ela causa é, sim, toda nossa.

sábado, 16 de setembro de 2017

O problema e a solução

Milênios de história e os que nos governam vem tomando as mesmas péssimas atitudes de sempre. O descaso com o Povo e a despreocupação em criar mecanismos para que todos ou, pelo menos, a maioria consiga desenvolver uma vida digna, atingindo objetivos e realizando sonhos não é de hoje. E mesmo assim, nós também temos tomado a mesma péssima atitude de mantê-los ali, no comando e na folia, mesmo cansados de saber que as soluções nunca vieram "lá de cima", pelo contrário, de lá só vieram os problemas. É evidente, e sempre foi, que a mudança é um trabalho nosso, do Povo, por isso deveríamos estar todos unidos a nosso favor, pelo bem comum, e não nos digladiando por ideologias, ou por quem jamais nos defendeu ou ajudou sem sequer demonstrar qualquer sinal de remorso.

Junto com as notícias mais recentes, o texto abaixo me inspirou o poema "Excelência,". Ele é trecho da biografia de Anália Franco e descreve fatos de 100 anos atrás, mas que poderiam ser atuais, em qualquer esfera do poder público.

"(...) O ano de 1918 não pareceu diminuir as dificuldades do povo paulista, castigado por um inverno excepcionalmente frio, com grandes prejuízos para a lavoura e a temperatura chegando a marcar mais de 3.C negativos. Devastadoras ondas de pragas invadiram seus campos diminuindo a oferta de alimentos e, particularmente na capital, as chuvas elevaram o nível dos rios Tietês, Tamanduateí e Pinheiros, causando inundações e paralisação quase total dos trens. Enquanto isso, o prosseguimento da guerra na Europa mobilizava a grande e apreensiva massa de imigrantes fazendo crescer a tensão social.

E seria com esse cenário que a progressiva são Paulo veria chegar o auge de suas agruras com a pandemia da gripe espanhola que revelou uma Saúde Pública totalmente impotente e um desencontro total entre autoridades e médicos. Enquanto durou a epidemia, a Câmara Municipal não funcionou porque os representantes do povo acharam ser sua integridade mais importante que a do povo que os elegeu e trataram de deixar a cidade. Ante o desmazelo e o despreparo do poder público, a sociedade civil teve de organizar-se para evitar o aumento da catástrofe, enterrando os mortos em valas comuns, tentando tratamentos alternativos para os doentes, improvisando hospitais e dividindo os escassos alimentos.

A vida, naquele fim de 1918, não valia nada. O medo pairava no ar. Ninguém poderia julgar-se imune ou protegido e, ao menor sintoma, o desespero tomava conta de muitos, verificando-se, então, uma onda de suicídios, de homicídios e de tragédias. A falta de recursos médicos, a desinformação, a irresponsabilidade de políticos e médicos só foi compensada pela capacidade com que a população soube se mobilizar."


in MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Anália Franco - A grande dama da educação brasileira. 1a. Edição: São Paulo, Madras, 2004. p. 220

Excelência,


Mãos ao queixo, olha a face refletida
Na janela do automóvel luxuoso
Será sua aquela face estarrecida?!
Fora, outrora, um semblante jubiloso...
Mas, agora, se assemelha a um homem morto

Perderá o seu império, o seu conforto?
Reino erguido da galhofa com o povo
Decorado pelas mãos da inconsequência
Contanto, para si, não houvesse estorvo
Bem dormia sobre as plumas da indolência

Esquivando-se da indecência que criara
Fecha os olhos, mas não escapa à consciência
Vê, agora, um povo enfrene a insurgir-se
Vê, lá fora, um pesadelo a realizar-se
Vê, nos olhos do mendigo que te encara, a sua culpa
Vê, na cara do indigente que te olha, a sua cara


sábado, 9 de setembro de 2017

Reflexões às margens do Ipiranga

Neste 7 de setembro, estive no Parque do Ipiranga, aqui em São Paulo, para as comemorações da Independência do Brasil. A imaginação excitadíssima por estar no mesmo lugar onde, há 195 anos atrás o Imperador Pedro I recebeu um comunicado de Portugal, com novas diretrizes da coroa e, não contente com o que leu, resolveu que era hora do Brasil ser um país independente. Os detalhes da operação, se houve grito, cavalo branco, mula ou diarréia, pouco me importa, é apenas detalhe tão útil quanto a cor das ceroulas do imperador naquele dia ou das minhas nesta tarde.

De qualquer forma, foi muito emocionante cantar o Hino à Independência e o Hino Nacional, executado pela orquestra da USP, ao por do sol; olhando o Monumento à Independência, onde estão os restos mortais de Dom Pedro I, bem ao lado do Riacho do Ipiranga.

Mas, mesmo envolvido entre tantos símbolos nacionais, toda a pompa e circunstância e o respeito que o evento demandava, não pude evitar pensar : "Independência do que? De quem?". Realmente, apesar do evento histórico, apesar de termos nosso próprio governo, de fato, de verdade mesmo, nunca fomos um país independente. Talvez nenhum país o seja realmente, talvez não haja independência de verdade em lugar nenhum.

O fato é que sempre dependeremos de alguém. De alguém que nos pague um salário, de alguém que compre do que produzimos, do agricultor que planta nosso alimento, da planta e dos animais que o fabricam, das moléculas vitais que estão no ar que respiramos, de cada órgão e célula de nosso corpo que nos forma e permite a vida, da luz do sol que permite as condições energéticas e climáticas para a vida... enfim, é um ciclo infinito de interdependência em muitos níveis.

Da mesma forma funciona entre as nações do mundo. Há os que compram, os que vendem, os que produzem e essa relação se desdobra em quem manda mais ou menos, quem pode mais ou menos. A dinâmica das relações é sempre a mesma, e não é estática, pode ser alterada no desenvolver do tempo, por inúmeros fatores.

E, de repente, percebi que esse raciocínio derrubou a própria questão que o criou. É muito primário, quase infantil, ficar questionando "independência por que? de quem? de que?", pois, de fato, isso não existe. A independência, que só existe se for completa, pois, se incompleta, ainda é dependência, é uma ilusão. Somos dependentes de tanta coisa que é melhor reconhecer que não existe, verdadeiramente, a independência. E qualquer luta para conquistá-la é vã, é quixotesca, para deixar mais poético.

Portanto, é melhor reconhecer que, para nos mantermos vivos e bem, precisamos de todas as coisas que existem, até mesmo de coisas que ainda nem sabemos. Trabalhando, assim, uma vida realmente melhor e mais leve, que não se desgasta na busca de uma superioridade impossível, mas que, através desse paradigma mais respeitoso e grato com tudo que nos cerca, nos coloca novamente no nosso lugar como intermediários, e não como finalidade do universo, que faz a vida chegar até nós para que a passemos adiante grata e caridosamente.