Quanto nos custa sonhar? Qual o valor desses sonhos? Uma vida sem sonhos não deve ser fácil, a imagino árida. Krank, um velho rabugento e sem alma, criado por um cientista louco, sabe muito bem o que é uma vida sem sonho, pois ele não os tem. Ele, o próprio ladrão de sonhos, é que dá o título em português para o filme La Cité des Enfants Perdus, pois em desespero, tenta roubar os sonhos das crianças que sequestra para sua fortaleza isolada em alto mar. Mas só consegue pesadelos. Pobre Krank, desesperado, envelhece a cada sonho que não tem. E deve funcionar assim conosco também.
Mas essa não é a única referência à nossa psique existente nesse excelente filme, dirigido pela dupla J.P. Jeunet e Marc Caro e lançado em 1995. No mundo sombrio que eles criaram, cercados de água por todos os lados, desfilam personagens estranhos: aberrações de freak show com suas paranóias, guerreando entre si; um cérebro preso num aquário, dotado de sabedoria e enxaquecas, mas sem membros, depende dos outros para agir no mundo; uma trupe de clones que, juntos, não valem por uma pessoa sequer (como toda massa popular cheia de "iguais"); adultos infantilizados e/ou neuróticos; crianças sérias, com comportamentos bastante adultos; e até mesmo uma seita que prefere cegar-se ao ver os problemas do mundo e resolvê-los, aguardando algum messias que vá colocar tudo em ordem para, aí sim, eles voltarem a abrir os olhos e desfrutarem do paraíso. São todas caricaturas de nós mesmos, ou quem sabe, uma reprodução do caos interior de cada um de nós e de todos os elementos que o compõe. E não posso deixar de lembrar da figura da princesa anã, nada mais do que a imagem do amor artificial que, prisioneiro, escravizado e servil não cresceu, se deformou.
Com uma ambientação tão bonita, que conta, inclusive, com figurinos de Jean Paul Gaultier, uma cenografia tão importante quanto uma personagem da trama e um universo subjetivo complexo, atraente e rico – o que é bem comum no cinema de arte europeu – a busca do herói One e sua parceira Miette, por seu irmãozinho sequestrado pelo Ladrão de Sonhos é um mero detalhe, é só mais um dos elementos desse conto de fadas para adultos que conspiram para que, assim como aquele velho rabugento do Krank, nós também percebamos que sonhar é necessário para se viver e que até mesmo as aberrações têm esse direito.
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