quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Filme : Que Horas Ela Volta [2015, Anna Muylaert]



Uma certa angústia diária tem nos tomado o coração e nos transformado em prisioneiros sabe-se lá de que. Mas o que são e de onde vêm estas grades e algozes que nos afligem?

Assisti ao filme Que Horas Ela Volta, no qual Regina Casé interpreta a Val, uma empregada doméstica, daquelas que mora na casa dos patrões. Seria apenas mais uma produção nacional criticando a cultura elitista e marginalizante do Brasil, mas o jeito sutil e leve com que os temas surgem demonstrou o cuidado da diretora em não fazer apenas mais um filme que choca a audiência sem conseguir provocar uma reflexão válida.

Eu não iria resenhar o filme, mas à partir do momento no qual a história começa a caminhar para a resolução, entendi um recado que, talvez, nem fizesse parte dos planos da diretora: neste filme todos são vilões. Todos são vilões para os outros, é claro, e para si mesmos, martirizando-se sem perceber. Então, além da crítica social, descortinava-se uma mensagem de busca pela verdade íntima de cada pessoa, de equalizar-se consigo mesmo e com a vida, para minimizar os sofrimentos e embarcar numa existência mais leve e tranquila. Minha busca pessoal estava na tela.

Em cada personagem fica evidente um traço psicológico dominante que, ao sobressair dos outros causa o mal-estar em que vivem. Bárbara, é a mãe, orgulhosa e vaidosa; Carlos é o pai, sonhador, melancólico por não ter se realizado, beira a loucura; Fabinho é o filho, a inconsequência juvenil, a abençoada ignorância dos mecanismos da universo; e, por fim, temos Val, a empregada, como personagem principal, que de tão humilde é subserviente e sem amor próprio. Todos cegos de sua condição e dependentes um do outro, cada um puxando o peixe pro seu lado e mantendo esse sistema doente em equilíbrio.

Vivem confortáveis até chegada de Jéssica, filha da Val que, por ser vaidosa, sonhadora e jovem, consegue conversar com todos, de igual pra igual. Mas, por não ser muito humilde, não o dialoga com a própria mãe. Quando se agrega ao sistema de relações da casa, Jéssica e o desarmoniza e derruba, mas graças a isso, permite que sua mãe, ao tentar restabelecer a ordem à qual dedicou a vida, se reencontre.

Através de vários acontecimentos da história, Val percebe que também pode comandar a própria vida, ultrapassar alguns limites, querer algo mais, coisa impensável antes da chegada da filha. E a angústia se resolve quando ela, após o caos, equaliza todos os caracteres de si mesma, sem excessos e pelo amor. Ela dilui sua humildade e subserviência em pitadas do orgulho próprio de Bárbara, algumas doses da inconsequência juvenil de Fabinho e volta a sonhar os próprios sonhos como Carlos.

E foi assim que, despretensiosamente, Val respondeu a questão do início desse texto, mostrando que nós mesmos criamos nossas prisões e algozes ao nos desconectarmos de nós mesmos. Fugimos da nossa essência, ignoramos nossos sonhos e necessidades em detrimento de preconceitos, medos e necessidades sociais questionáveis. Por isso que, ao final do filme, estávamos Val e eu, ambos com os olhos marejados e o mesmo sorriso de esperança no amanhã, enquanto as luzes do cinema se acendiam.

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