Emocionado pelo filme "Neruda - Fugitivo" (2014, Manoel Basoalto) e por todo o esforço poético, literário e de vida que o poeta teve na tentativa de unificar a América do Sul ou, pelo menos, criar um sentimento Sulamericano comum, senti-me envergonhado por ser um tanto alheio à cultura e, principalmente, à música tradicional desta fatia de continente que me cerca. Coloquei-me, então, numa jornada de reconhecimento da vizinhança, da qual, afora o Tango e a Música Contemporânea Argentina, do imbatível Astor Piazzolla, sei muito pouco. Saí, então, do Chile de Neruda, Violeta Parra e Atahualpa Yupanqui, passei pelo Paraguai, revisitei a Argentina e cheguei ao Uruguai, onde encontrei Daniel Viglietti (Montevideo, 1939).
Durante a segunda metade do Sec. XX, parecia que a America do Sul estava infectada pelo vírus dos governos ditatoriais e, naqueles tempos de terror, entre revoluções e governos totalitários, assim como no Brasil, haviam, em toda parte, movimentações estudantís, artísticas e políticas que lutavam por libertar o povo do estado repressor. Pelo que entendi, Daniel Viglietti foi como o nosso Geraldo Vandré, que armado com seu violão, música e poesia, cantava a liberdade durante os duros anos da década de 1960.
Minha canção preferida de Viglietti é "Milonga de Andar Lejos", do disco "Canciones para el Hombre Nuevo", de 1968. Nessa milonga, um tipo de canção que adoro, por ser lenta e melancólica, Viglietti canta o amor pela sua terra cujo sangue é mestiço e que, apesar de muitas e diferentes bandeiras, tem a mesma pobreza. Por isso, cantava ser preciso derrubar as fronteiras, expandir o mapa, criando "el mapa de todos", uma América do Sul unida. Independente do posicionamento político de Viglietti, sinto que esta canção transcende a política e a própria América do Sul na luta contra os "invasores" ou "colonizadores"; ela fala de um anseio humano universal, de nos transformar-nos em algo maior do que um mero conjunto de nações, que nos transformemos apenas em humanos num mesmo planeta, criando uma grande terra de todos, sem fronteiras, um corpo único e complexo do qual todos são parte essencial. É uma luta solitária, mas como diz a canção, "uma gota faz pouco, muitas gotas fazem tempestade".
E foi há dias atrás que uma bela coincidência me fez reviver essa viagem espiritual pela Sudamérica. Meu amigo-irmão Nevilton, ao regressar de Montevideu, trouxe-me, de presente, um livro que sempre quis ter na língua original: Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, do Pablo Neruda. Além da emoção pelo presente em sí, um desejo antigo realizado, logo vi o grande círculo simbólico que estava em minhas mãos: Foi Neruda quem me levou do Chile ao Uruguai de Viglietti e, dias atrás, o Uruguai de Viglietti me trouxe de volta ao Chile de Neruda. E com o tempero extra do livro ter sido publicado na Espanha, um dos grandes e cruéis colonizadores da América Latina. Que grande viagem, funda na alma Sulamericana, em apenas um livro de poemas! Obrigado, Nevilton!
Qué lejos está mi tierra
Y, sin embargo, qué cerca
O es que existe un territorio
Donde las sangres se mezclan.
Tanta distancia y camino,
Tan diferentes banderas
Y la pobreza es la misma
Los mismos hombres esperan.
Yo quiero romper mi mapa,
Formar el mapa de todos,
Mestizos, negros y blancos,
Trazarlo codo con codo.
Los ríos son como venas
De un cuerpo entero extendido,
Y es el color de la tierra
La sangre de los caídos.
No somos los extranjeros
Los extranjeros son otros;
Son ellos los mercaderes
Y los esclavos nosotros.
Yo quiero romper la vida,
Como cambiarla quisiera,
Ayúdeme compañero;
Ayúdeme, no demore,
Que una gota con ser poco
Con otra se hace aguacero.
Um comentário:
massa demais! não precisa agradecer, galo véio!!! vida longa, saúde, muito som e criação pra nós!!! o/
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