A beleza e a utilidade do símbolo vem, em grande parte, de sua elasticidade. Um símbolo pode ser adaptado a diversas realidades sem perder a sua essência e a mensagem que carrega. A humanidade já não cria mais símbolos tão complexos como os de antigamente, muito da linguagem simbólica que nos utilizamos hoje em dia já existe a milênios e foi criada pelas civilizações antigas do hemisfério norte. É uma pena não termos resgatado e mantido com a mesma atenção os símbolos das civilizações aqui do hemisfério sul.
A Páscoa é um desses casos. Data altamente simbólica, é comemorada durante o período no qual ela faz sentido: a Primavera. Nós apenas importamos a data, algo objetivo, e a comemoramos num contexto exatamente oposto: o Outono. Imagino que celebrar a Páscoa em sua época original facilita o entendimento e o sentimento do que ela quer dizer. Mas, como disse antes, por serem elásticos, os símbolos e sua mensagem, mesmo fora de contexto, devem ser considerados, conhecidos e refletidos.
Desde que se percebeu parte de um universo que funciona ritmado, a humanidade celebra este ritmo. As festas primitivas, em sua grande maioria, senão em sua totalidade eram demarcadas por eventos no céu ou na terra, eventos que indicavam um novo período, com novas dinâmicas de vida cuja observância seria, e ainda é, importante para manter a boa vida. Portanto, tais festas não teriam apenas um caráter comemorativo, mas também eram usadas, tanto para a reconexão com o pulso cósmico, quanto para agradecer a bonança ou se prevenir das dificuldades advindas do novo período.
Celebrada na primeira lua cheia depois do equinócio de primavera – pois é uma celebração criada no Hemisfério Norte –, a Páscoa vem sendo celebrada pelos Judeus desde tempos imemoriais, quando já sacrificavam cordeiros. Simbolicamente, nos remete à fertilidade, e quando se fala em fertilidade, se fala no poder de dar vida nova, em renascimento, renovação e, portanto, em morte, sem a qual nada renasce.
Após o Inverno, onde nada floresce e tudo está sem vida, a Primavera traz consigo o renascimento, ano a ano, de todas as coisas, inclusive do calendário Astrológico, quando voltamos ao primeiro signo zodiacal, o de Áries. A lua cheia é o ápice da renovação da lua, que num ciclo menor, mês a mês, desaparece e reaparece, morre e renasce. E sabemos, desde muito antigamente, da potência que a lua cheia dá nos processos procriativos, tanto em plantas, cabelos ou trabalhos de parto.
E foi durante tal período renovador que aconteceu o êxodo dos Judeus, do Egito; quando o anjo da morte deixou de lado, pulou as portas das casas marcadas com o sangue de um cordeiro sacrificado, preservando os primogênitos da família que ali morava. Interessante lembrar que Egito, em Hebraico, é Mizraim, que significa estreiteza, prisão; e pular, em Hebraico, é Pessach, originando o nome atual da celebração : Páscoa. Poderíamos dizer, então, que a Páscoa Judaica celebra o dia que o anjo da morte pulou os Judeus, que ganharam a liberdade, dando-os, por sua fé, a possibilidade de uma vida nova.
Séculos depois, com a morte de Jesus Cristo durante as celebrações da Páscoa Judaica, por volta do ano 33 d.C, surgiu a Páscoa Cristã, que eleva o significado de renascimento a um novo patamar, o espiritual. Cristo tomou lugar do cordeiro a ser sacrificado e, também pela fé, venceu a morte, ressuscitando. Sendo a ressureição um fato ou não, a presença dela na narrativa bíblica nos traz mais um símbolo de renascimento, que sugere o processo de morrer para renovar-se, agora em Espírito, pois era espiritual toda a mensagem do Cristo.
Vê-se que, independente da roupa que vestimos a Páscoa, durante milênios, este período vem sendo sinalizado como importante data de renovação. É a hora em que o planeta Terra está todo alinhado com o Cosmo para renovar-se e, efetivamente se renovando, em todos os aspectos. É um convite ancestral para que aproveitemos a data e toda a sua energia para renovarmos a nós mesmos, como tudo na natureza. E se não há renovação sem sacrifício, que sejamos nós o nosso próprio cordeiro, sacrificando o humano velho, materialista, defasado e viciado, para que possa renascer, em nós, o novo humano, espiritualizado e harmonizado com o novo tempo e, no planeta, portanto, a nova humanidade.