sexta-feira, 1 de abril de 2016

Carta aos meus

Minha profissão me permite viajar muito pelo Brasil e, algumas vezes, para outros países. Isso me fez conhecer lugares, costumes e, principalmente, pessoas com as quais criei laços de amizade, admiração, respeito e amor. Sou muito feliz em dizer que tenho amigos espalhados, literalmente, pelo mundo inteiro; e ao mesmo tempo, um pouco triste por não poder alcançá-los sempre e demonstrar o afeto que cultivo por eles. E isso me incomodava até poucos meses atrás.

Estava na Sala São Paulo, assistindo a execução uma peça clássica tão bela que, às vezes, tinha vontade de aplaudir, no meio da música, de tão emocionado. Mas há um combinado nas salas de concerto: existe a hora certa pro aplauso. Num primeiro momento eu pensei em como isso era chato, e de que deveria ser mais legal ir à concertos antes de inventarem essa regra. Mas, também, pensei que, se cada um aplaudisse na hora que desse na telha, ninguém ouviria a música, só os aplausos, assobios e a gritaria de "Bravo!". Além do que, a raridade do aplauso aumenta o seu valor, assim como o silêncio oportuno, valoriza a palavra.

Lembrei-me, então, do que me disse uma amiga, que raramente encontro, pois moramos distantes: "Posso não me manifestar muito, diariamente, mas te acompanho de longe, sorrindo. Como naquela música do Milton Nascimento: calada, como quem ouve uma sinfonia".

O amor é o sentimento primordial, delicado e cheio de nuances como a música clássica. Há dias em que ele é prestíssimo, estrondoso e forte ; há dias em que ele é lento, brisa e carinho. Há os momentos de solo, há os momentos de harmonia. Há dias de dueto, há dias de sinfonia. Em pequenas salas ou em imensos teatros, há dias em que somos plateia, há dias em que estamos no palco. Percebi, naquele momento, que das várias formas de se apreciar o amor, havia uma até então desconsiderada: o Silêncio.

A Sinfonia do Amor é facilmente reconhecida pela paz inquestionável que nos traz; se não há paz, provavelmente não é amor. É por isso que, na vida, como nas salas de concerto, muitas vezes é preferível silenciar para melhor apreciar a música que nos é apresentada. Assim, afastamos os ruídos e evitamos que um pequeno detalhe passe desapercebido, mudando o nosso entendimento sobre o que ouvimos, julgando ser amor o que é, na verdade, paixão, amizade, carência, possessividade, orgulho, vaidade.

Assim, caiu por terra a ansiedade pela impossibilidade física de dar atenção a tanto que me é querido. Entendi que o amor também se manifesta no silêncio, que abster-se da palavra e de atos físicos não evita que o pensamento e a intenção chegue ao seu destino. Que quando os ruídos cessam, o mínimo detalhe, no momento oportuno, é o suficiente. Mais tranquilo, percebi que nunca estive ausente de tudo o que está distante. Que era possível, e às vezes ainda mais belo, amar em silêncio, e praticar esse amor indizível e inarticulável que acabara de descobrir. Percebi, então, que é esta a minha forma de amar tudo e todos: calado, como quem ouve uma sinfonia.

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